Na crônica anterior, falei do “cancelamento” do termo esposa, preconizado por certa seita da etiqueta linguística. O caso constitui apenas um recorte da tendência atual de se projetar pseudoautoridade sobre os mais diversos assuntos. A todo momento, deparamos com quem se julga capaz de orientar-nos sobre o que falar, o que pensar, o que fazer, até mesmo o que sentir. Algumas vezes, o fazem de forma cândida; noutras, em tom assertivo. O fato é que estamos expostos a um fenômeno da cultura de massas, que classifico de normatividade tóxica.
A normatividade tóxica tem ganhado espaço nas redes sociais. Felizmente, pode ser detectada com relativa facilidade, bastando substituir o enunciado da mensagem por “Faça isso!”. Se o conteúdo do que está sendo comunicado puder ser resumido a “Faça isso!” e for propagado de forma insistente, até mesmo no seu canal direto de mensagens, é provável que você esteja diante de um caso de normatividade tóxica.
Vamos aos exemplos:
- Você continua comendo três, quatro, cinco refeições ao dia? Como assim? Isso é prejudicial à saúde. Nossos ancestrais passavam muitas horas, às vezes dias seguidos, sem se alimentar. Tá bem, duravam só uns 35, 40 anos no máximo, mas eram magros. Portanto, nada mais saudável do que sentir fome, deixando de ingerir alimento por 18, 20, 24 horas consecutivas. Jejum intermitente: faça isso!
- Deu uma topada numa cadeira que estava fora do lugar habitual e machucou o dedão do pé? Não se irrite, não pragueje, não queira responsabilizar terceiros pelo acidente. Aceite de bom grado o seu infortúnio; poderia ter sido pior, você podia ter tropeçado e batido a cabeça. Tudo acontece por alguma razão. Da próxima vez, olhe bem em volta e pense duas vezes antes de dar um passo adiante. Aceite e aprenda: faça isso!
- Você tem menos de mil seguidores nas redes sociais? Desculpa aí, mas você virtualmente nem existe. Tem mais de mil seguidores, mas o engajamento está baixo? É porque sua vida não desperta interesse no público. Mude de vida, ou crie o storytelling de uma vida interessante. Chame atenção: faça isso!
Eu, às vezes, digo a mim mesmo “Não faça isso!” só de birra.
P.S. Se você tiver exemplos de normatividade tóxica, me conte.
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Bert Jr. é gaúcho de Porto Alegre, formado em História (UFRGS) e Diplomacia (IRBr). Como diplomata, tem vivido em diferentes países. É autor de dois livros de contos, três de poesia, e do romance Antes do fim do riso. Lançou, também, Sem pé com cabeça – crônicas do século 21, coletânea de escritos humorísticos publicados na Revista Conexão Literatura.
Site: www.bertjr.com.br
Como sempre, colocando na mesa assuntos relevantes. Me deparo com muitos:”faça isso”.
A exemplo, como citado, os gurus do Marketing, da publicidade e storytelling, sobre o “faça isso!”, seja para aumentar o engajamento, para se tornar mais relevante o que postamos, a normatividade tóxica se estende para diversos ângulos diferentes em nossas vidas e sou exatamente o contrário ao que chamo de “corrente tóxica” e me vejo na maioria das vezes, “fora das caixas”.
Ainda ontem, sobre treino, academia, saúde, tive um “faça isso” perturbador, que poderia, em outro momento da minha vida, me levar a escolhas ruins para minha saúde, comi já ocorreu no passado. Esse assunto que trouxe, rende conversas bem sérias e complexas. Vejo muitos colegas de trabalho, fora das redes e até dentro delas, cada vez mais ansiosos, em crise existencial. Eu sei, parece exagero. Mas é real! Saúde mental nunca estive tão em evidência e estão ligados diretamente a essa normatividade tóxica, além dos desgastes de saúde, depressão, ansiedade social, entre outros.
Tenho visto muitas pessoas incríveis, se sabotando por conta disso. Sentem-se menos, incapaz, insuficientes, que não executam as coisas como “deveria” ou agarrando além do que pode suportar, vindo a ter de lidar com Síndrome de burnout e outros.
Complexo viu Bert.
Olá Karini, muito bom tê-la por aqui! A reflexão trazida por você robustece a da crônica. Grato por compartilhar, é importante saber que não estamos sós. Nadando contra a correnteza, sim, muitas vezes, mas não sozinhos! Um abraço