A obra publicada pela Cepe, Ìntimo idioma, traz os versos criadospela autora pernambucana ao longo dosseus quase 50 anos de carreira literária
Autora de versos carregados de lirismo e de reflexão íntima, Maria do Carmo Barreto Campelo de Melo (1924-2008) figura entre as vozes mais marcantes da poesia pernambucana. O crítico literário e presidente da Academia Pernambucana de Letras (APL) Lourival Holanda classifica a poeta de forma precisa: “Na poesia pernambucana, já se disse, sua presença é rara!”. Para lembrar o centenário de nascimento desta recifense considerada única, a Cepe Editora lança nesta segunda-feira (25/11), 19h, Íntimo idioma / Maria do Carmo Barreto Campelo de Melo, livro organizado por Sônia Bierbard e que reúne toda a obra poética da autora. O lançamento será no Auditório Mauro Mota da APL, bairro das Graças, no Recife (PE), onde haverá uma curta apresentação da Orquestra dos Médicos e a recitação de poemas da autora pelos atores José Mário Rodrigues, Adriano Cabral e Sônia Bierbard.
Com 376 páginas, o título engloba 192 poemas. “Ao longo da vida, a poeta publicou reuniões e coletâneas, muitas vezes reorganizando e reescrevendo sua obra”, afirma o editor da Cepe Editora, Diogo Guedes. Para Íntimo idioma foram consideradas as versões mais atualizadas dos poemas, tendo a seleta se baseado especialmente em Retrato abstrato (1990), título que, segundo Maria do Carmo, juntou “quase a totalidade” da sua criação poética de até então, e reproduziu as versões corrigidas ou atualizadas quando disponíveis. Dos trabalhos posteriores a Retrato abstrato, a nova obra da Cepe traz Solidão compartilhada (1994) e Visitação da vida (2000), livros compostos em maioria por poemas inéditos, e A consoada (2003), que mescla novos poemas, versões atualizadas e textos já publicados da autora. “Em todos os casos, as repetições foram suprimidas para não gerar redundância”, completa Diogo.
Ao prefaciar a coletânea, Lourival Holanda faz uma análise pormenorizada da obra de Maria do Carmo, bem como indica as preocupações e os compromissos da poeta frente a um Brasil que vivia sob o regime militar (1964-1985). “Sua poesia traz a tônica da confiança. Da fé, na dimensão privada; da esperança, na dimensão social. E sempre com seu modo manso de agir. O seu, não foi um tempo fácil; ela o viveu, inteira, intensa, testemunhando no canto — entre a revolta e a reserva — sua relação com o mundo”, considera o presidente da APL. Maria do Carmo também foi acadêmica. Por 26 anos, entre janeiro de 1982 e julho de 2008, ela ocupou a cadeira 29 da academia, cujo patrono é o padre Antônio Gomes Pacheco.
Lourival destaca que a poesia de Maria do Carmo é de quem permanece sempre na expectativa. “Na poeta tudo é pressentimento e expectação da luz”, reforça. Em sua análise sobre a presença da escritora na poesia pernambucana, ele fala em raridade, acrescendo que em Maria do Carmo é rara a consciência funda de si. “O ser é desejo; desejo de mais ser; e essa falta mesmo nos constitui”, crava. Ao mesmo tempo em que possui tal consciência, a poeta é dona de uma escrita que, segundo Lourival, “não grita, susurra; e quando sonha, é olhando o mundo em torno”. Em vida, Maria do Carmo era uma mulher, mãe de oito filhos e avó de 16 netos, que enxergava poesia nas coisas da alma e no cotidiano. Na Sudene, onde trabalhou, foi a primeira a perceber o potencial poético de Miró, como ficou conhecido João Cláudio Flávio Cordeiro da Silva (1960-2022).
Organizadora de Íntimo idioma, a poeta e atriz Sônia Bierbard afirma que a publicação do livro concede um justo lugar à poesia de Maria do Carmo. “Tínhamos uma relação profunda, de admiração mútua, que nos irmanava, tanto que, como atriz, várias vezes eu me apresentava como ‘sua voz’, pois a sua poesia ressoava em mim como um hino à vida. E ressoa em todos que a leem”, revelou. Foi por incentivo de Maria do Carmo que Sônia decidiu publicar seus poemas. “Tive o privilégio de conviver por décadas com Carminha como nora e, depois, como mãe de seu neto Denis, que me fez admirar os abismos da criação e do estar na vida”, detalha. O livro, completa, é especial por homenagear Maria do Carmo no ano do seu centenário de nascimento.
Produção literária
Nascida no Recife, Maria do Carmo tinha formação em Letras Clássicas e Didática de Letras Clássicas, o que a levou ao ensino de Português, Latim, Literatura Portuguesa e Brasileira. Ao longo da carreira, escreveu mais de uma dezena de livros: Música do silêncio I (1968), Música do silêncio II (1971), O tempo reinventado (1972), VerdeVida (1976), Ser em trânsito (1979), Miradouro (1982), Partitura sem som (1983), De adeus e borboletas (1985), Retrato abstrato (1990), Solidão compartilhada (1994), Visitação da vida (2000) e A consoada (2003).
Trechos do livro
Escrevo por fora da palavra
circundo-a como a uma ilha.
Tento abordá-la.
Chamo meu próprio nome e estremeço: tenho medo de mim
que me descubro.
(Retrato abstrato, página 75)
Amigo,
eu gostaria de falar de andorinhas
mas estamos (percebes) frente
a verdades essenciais.
Eu te queria, amigo,
falar de andorinhas, mas sinto minhas mãos escavando
o túnel das urgências.
Só falar de andorinhas
mas que fado amargo, que signo
nos tolhe o sonho?
(De andorinhas, página 133)
E era a gaiola e era a vida era a gaiola
e era o muro a cerca e o preconceito
e era o filho a família e a aliança
e era a grade a filha e era o conceito
e era o relógio o horário o apontamento
e era o estatuto a lei e o mandamento
e a tabuleta dizendo é proibido.
(A gaiola, página 266)
Contato para entrevista
Sônia Bierbard, organizadora: (81) 99974-6206
Serviço
Lançamento do livro Íntimo idioma / Maria do Carmo Barreto Campello de Melo, com apresentação da Orquestra dos Médicos e recitação de poemas da autora pelos atores José Mário Rodrigues, Adriano Cabral e Sônia Bierbard.
Quando: 25/11/2024 (segunda-feira)
Horário: 19h
Onde: Auditório Mauro Mota da Academia Pernambucana de Letras (APL), Avenida Rui Barbosa, 1596, nas Graças, Recife (PE)
Preço: R$ 80,00
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Paulista, escritor e ativista cultural, casado com a publicitária Elenir Alves e pai de dois meninos. Editor da Revista Conexão Literatura (https://www.revistaconexaoliteratura.com.br) e colunista da Revista Projeto AutoEstima (http://www.revistaprojetoautoestima.com.br). Chanceler na Academia Brasileira de Escritores (Abresc). Associado da CBL (Câmara Brasileira do Livro). Participou em mais de 100 livros, tendo contos publicados no Brasil, México, China, Portugal e França. Publicou ao lado de Pedro Bandeira no livro “Nouvelles du Brésil” (França), com xilogravuras de José Costa Leite. Organizador do livro “Possessão Alienígena” (Editora Devir) e “Time Out – Os Viajantes do Tempo” (Editora Estronho). Fã n° 1 de Edgar Allan Poe, adora pizza, séries televisivas e HQs. Autor dos romances “Jornal em São Camilo da Maré” e “O Clube de Leitura de Edgar Allan Poe”. Entre a organização de suas antologias, estão os títulos “O Legado de Edgar Allan Poe”, “Histórias Para Ler e Morrer de Medo”, “Contos e Poemas Assombrosos” e outras. Escreveu a introdução do livro “Bloody Mary – Lendas Inglesas” (Ed. Dark Books). Contato: ademirpascale@gmail.com