Fazer votos na ocasião da virada de ano parece ser algo inescapável. Chega uma hora – aquela: quando faltam segundos para o primeiro milésimo de segundo pertencente ao novo ano – em que as pessoas mais duronas, as mais céticas em relação ao futuro, as mais avessas às convenções, se pegam formulando o desejo de que alguma coisa mude para melhor em sua vida individual, ou na vida de seus entes queridos, ou na realidade nacional, ou em escala mundial.
Além de inescapável, fazer votos parece ser uma sobrevivência de tempos imemoriais, quando o pensamento mágico exercia influência predominante na forma como a humanidade compreendia a existência e se relacionava. Pinturas em superfícies rochosas, esculturas pré-históricas, estátuas totêmicas, todas essas manifestações sugerem a prática de rituais com um sentido comum: formular votos por sucesso coletivo, por um futuro melhor, para que a tribo tivesse fartura, ou que assimilasse as qualidades do totem de sua adoração, fosse ele animal, planta ou espírito.
Daqueles tempos remotos aos atuais muita coisa mudou. Matar um leão por dia passou do sentido literal ao figurado. O primeiro conjunto coerente de sons – algo como ugabubuga – evoluiu para gerar repertório ampliado de palavras e frases, resultando em milhares de línguas altamente complexas distribuídas pelo globo. As primeiras encenações para exaltar em público os feitos heroicos, ou singulares, deram origem ao teatro, assim como à literatura em sua forma oral e depois escrita. Os utensílios e armas de pedra lascada foram dando lugar a outros cada vez mais resistentes e potentes, ao ponto de se chegar a temer que a humanidade venha a ser desbancada por alguma forma de inteligência artificial.
Não se sabe exatamente quando, nem como, os votos deixaram de ser formulados de modo coletivo e passaram a ter expressão individual, mas é inegável que esse processo tenha ocorrido; seu resultado se vê refletido na multiplicidade de votos feitos de forma individualizada hoje em dia. Paralelamente, os votos coletivos subsistem nas poucas situações que ainda guardam algum grau de ritualismo.
No caso da virada de ano, o voto coletivo se apresenta numa fórmula simples: Feliz Ano Novo! No plano individual, contudo, o voto ganha multidimensionalidade. É o aumento de salário, é a cura de alguma enfermidade, é a casa própria, é um novo amor, é a viagem dos sonhos, enfim, uma enumeração tão longa quanto a letra de “Águas de Março”, do Tom Jobim.
Já que é inevitável, seria bom estar preparados para esse momento mágico. Uma possibilidade seria concentrar nossa energia espiritual num voto bem estruturado, para não gaguejar mentalmente, nem deixar nada importante de fora. Afinal de contas, temos apenas uns poucos segundos antes do brinde de ano novo. Outra estratégia é ser específico nos desejos: em vez de desejar paz mundial, por exemplo, talvez seja mais eficaz fazer votos para que um determinado conflito se resolva. Ou em vez de desejar o fim da violência no Rio de Janeiro, desejar apenas que não haja mais mortes por bala perdida, ou que a polícia seja mais civilizada e cautelosa em suas abordagens. Isso poderia aumentar a factibilidade do desejo.
Enfim, essas são apenas sugestões para não se alongar demais nem se perder ao elencar mentalmente os nossos votos para o próximo ano.
Outra estratégia seria evitar o voto individual e formular só o coletivo. Acho que fico com essa.
Feliz 2025!
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Bert Jr. é gaúcho de Porto Alegre, formado em História (UFRGS) e Diplomacia (IRBr). Como diplomata, tem vivido em diferentes países. É autor de dois livros de contos, três de poesia, e do romance Antes do fim do riso. Lançou, também, Sem pé com cabeça – crônicas do século 21, coletânea de escritos humorísticos publicados na Revista Conexão Literatura.
Site: www.bertjr.com.br