Na região onde nasci lembro de se usar, embora sem muita frequência, a palavra trompaço, sinônimo de empurrão, ou encontrão. Alguém pode levar um trompaço, o que não é das coisas mais agradáveis, ou dar um trompaço noutra pessoa, seja sem querer ou querendo, por acidente ou por gosto.

Nas eleições presidenciais norte-americanas do último 5 de novembro, foi mais ou menos isso que aconteceu: um trompaço (por lá se dirá trumpaso?). O Partido Democrata levou um trompaço dos republicanos, enquanto o Partido Republicano deu um trompaço nos democratas. E isso, claro, graças ao estilo do recém-reeleito Donald Trump de fazer política. Acredito não haver dúvidas de que o trompaço, nesse caso, foi dado de propósito, não por acidente. Afinal, trata-se tanto de estilo quanto de estratégia de marketing político, que têm provocado um entusiástico proliferar de símiles mundo afora (ou adentro).

Imagino que a sensação do trompaço decorra, em parte, do uso, pelo atual vitorioso no pleito, de linguagem agressiva e não raro grosseira, não apenas contra sua contendora, mas também em relação a segmentos da população do país, sobretudo os imigrantes. Ver-se derrotado por alguém assim é como levar um trompaço e ir parar fora do campo, atordoado.

Sabe-se que por lá a violência não apenas é tolerada, mas aplaudida em suas formas ritualísticas, como ocorre no campo da indústria cultural (músicas e filmes), ou nas partidas de futebol americano, ou de hockey. No basquete, à diferença daqui, as regras permitem maior contato físico entre os atletas, o que torna frequentes os trompaços nos jogos da NBA. A novidade parece ser que, a exemplo desses outros campos, o da política norte-americana passou a incorporar, neste primeiro quarto de século, o uso de recursos que no passado caracterizaram a retórica enraivecida dos adversários da democracia (leia-se nazismo, fascismo e comunismo). Tais regimes menosprezavam a democracia, considerando-a um sistema débil, incapaz de atender às aspirações das massas. Num diapasão parecido, a retórica utilizada por Trump ao perder as eleições no período final de seu primeiro mandato semeou descrédito sobre as instituições do país; acusando o processo eleitoral de fraudulento, inspirou atos de violência, que resultaram na invasão e depredação do Capitólio e culminaram na morte de 5 pessoas.

Em seu recente discurso de admissão da derrota, a democrata Kamala Harris teve que recordar a seu oponente, assim como a boa parte do eleitorado norte-americano, que numa democracia os derrotados devem reconhecer o resultado da disputa. É essa a regra do jogo. Se não é assim, não é democracia.

Uma coisa é certa: além do primeiro trompaço – o eleitoral – seguramente virão outros. A Ucrânia é forte candidata a levar um, que poderá fazer com que a parte invadida do seu território vá parar, definitivamente, do lado russo. Há, também, um grupo grande de candidatos a outro trompaço: os que acreditam nas evidências do aquecimento global provocado pela ação humana. Estes deverão estar preparados e cerrar fileiras para resistir ao encontrão, que poderá retirar novamente os EUA do acordo do clima da ONU e empurrar parte da superfície dos países insulares e litorâneos para uma região próxima da subaquática.

Talvez as referências antigas à mitológica Atlântida encerrassem, na verdade, uma premonição, em vez de uma alusão a realidades passadas.

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