Sigo achando que aceitar a expressão “amigo pessoal” implica acreditar na existência de amigos impessoais. Se não fosse assim, seria desnecessário qualificar de pessoal uma pessoa amiga de outra pessoa. Visto que, pessoalmente, não sou amigo da expressão “amigo pessoal”, fico imaginando como deve funcionar o mundo dos que acreditam no caráter impessoal de parte dos amigos.
Na preparação da lista de convidados para uma festa de casamento, os noivos podem, por exemplo, escolher incluir apenas os amigos pessoais. O problema é que alguns dos amigos pessoais do noivo serão seguramente considerados impessoais pela noiva, e vice-versa. Ela, provavelmente, questionará a alegada amizade pessoal do felizardo justo com a mais atraente de suas antigas colegas de escola; ele, por sua vez, não suportará vê-la classificar como impessoal o seu companheiro de todas as horas, o preferido nas pescarias, idas ao estádio de futebol e cervejadas.
Nos cultos religiosos, o público deve encontrar-se irremediavelmente dividido em duas alas: os amigos pessoais e impessoais do sacerdote ou líder da congregação. Os pessoais ficam, por exemplo, dispensados de confessar-se, enquanto os impessoais têm que contar tudinho, nos mínimos detalhes, de modo a compensar o grau menor de intimidade no relacionamento com o confessor, o qual, por sua vez, se crê amigo pessoal por excelência da entidade divina.
Os clubes esportivos devem, a cada troca de treinador, decidir qual o tipo a ser contratado. Se do tipo amigo pessoal, significará apostar num forte vínculo entre todos os membros da equipe, com preferência por esquemas de jogo cooperativos e solidários. O grande risco dessa escolha é a solidarização excessiva num contexto por definição altamente competitivo, o que levará a cenas como a do atacante que, tendo a oportunidade de marcar o gol, prefere recuar a bola para o companheiro, para que ele também participe da jogada. Por outro lado, se o treinador for do tipo amigo impessoal, isso favorecerá a aposta no talento individual dos jogadores. O risco, aí, vem a ser o excesso de individualismo, com o provável surgimento de personalidades narcisistas: goleiros que querem armar jogadas dentro do campo adversário, atacantes que exageram nos dribles, evitando passar a bola, ou defensores que se julgam melhores do que os atacantes.
Enquanto isso, os verdadeiros amigos, os que não precisam de epíteto nenhum, continuam sustentando fielmente o clube, comprando as entradas, assistindo aos jogos, e motivando o desempenho de atletas e treinadores, tanto pessoais quanto impessoais.
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Bert Jr. é gaúcho de Porto Alegre, formado em História (UFRGS) e Diplomacia (IRBr). Como diplomata, tem vivido em diferentes países. É autor de dois livros de contos, três de poesia, e do romance Antes do fim do riso. Lançou, também, Sem pé com cabeça – crônicas do século 21, coletânea de escritos humorísticos publicados na Revista Conexão Literatura.
Site: www.bertjr.com.br