
A primeira vez que li Sapiens – uma breve história da humanidade, do historiador israelense Yuval Noah Harari, soube imediatamente que não tardaria a fazê-lo de novo. De fato, passado algum tempo, o inevitável aconteceu e me vi, uma vez mais, às voltas com a leitura instigante e prazerosa desse clássico contemporâneo da não ficção, não por acaso fenômeno de vendas.
Para além das muitas informações, expostas de maneira clara e inteligente, acerca das principais molas propulsoras da trajetória da humanidade desde a pré-história aos dias atuais, Harari sublinha, em seu livro, um aspecto absolutamente central para a explicação de nosso predomínio sobre todas as demais espécies existentes no planeta. Na opinião do autor, o que nos faz diferentes e bem-sucedidos é a capacidade que desenvolvemos de cooperar em larga escala, numa ampla gama de setores, a fim de atingir objetivos, ou resultados, que transcendem a simples satisfação de necessidades elementares.
As abelhas e formigas, assim como os humanos, são animais sociais, mas cooperam apenas para cumprir finalidades biológicas estritas. Suas ações são previsíveis, quase mecânicas. Chimpanzés, golfinhos e orcas estão entre as espécies mais inteligentes do reino animal, sendo capazes de estabelecer um sentido maior de coordenação e estratégia em suas ações cooperativas, sobretudo quando se trata de obter alimento para o grupo. Nós, humanos, no entanto, somos capazes de cooperar numa variedade de setores – educação, saúde, defesa, produção de alimentos, transporte, construção, comunicação, entre outros – e o fazemos de forma ao mesmo tempo complexa e flexível, o que aumenta a nossa capacidade de adaptação às condições de um ambiente mutável, seja ele natural ou social.
O que nos permite cooperar de modo tão mais eficaz que os demais mamíferos? Seria o tamanho do nosso cérebro? Golfinhos têm um cérebro proporcionalmente maior que o dos humanos e nem por isso ocupam o lugar de espécie dominante no planeta. O acúmulo de conhecimento? O conhecimento, se mal empregado, pode se transformar num fator destrutivo. Para que se torne algo construtivo é preciso colocá-lo em contexto adequado. Pouco adiantaria contar com memória, conhecimento e engenhosidade se não fôssemos capazes de cooperar de forma ampla e complexa. A força capaz de gerar contextos positivos, de modo a potencializar a cooperação entre os indivíduos e conferir maior coesão e organicidade às sociedades humanas, pasmem leitores, é a criação de histórias. Isso mesmo: o maior poder da humanidade, segundo Harari, é a nossa capacidade ficcional.
A título de exemplo, Harari nos conta que a história mais bem-sucedida de todas, aceita de forma quase universal pela humanidade, é o dinheiro. Podemos contar histórias divergentes sobre religião, ideologia política, escala de valores, mas todos acreditamos que a moeda, ou dinheiro, encerra valor e pode ser trocada por mercadorias, ou por outras moedas de diferentes origens. A verdade é que o pedaço de papel chamado dinheiro não tem mais que valor fictício, o qual só se torna efetivo porque acreditamos nessa ficção.
As histórias que criamos e contamos para nós mesmos – acerca da origem da vida, a maneira como devem funcionar as sociedades, os objetivos que traçamos, tanto individuais quanto coletivos –, nos trouxeram até aqui e dizem muito sobre quem somos, inclusive sobre as escolhas que temos por diante. Por isso mesmo, o grande receio em relação à Inteligência Artificial é que sejamos suplantados justamente na capacidade de inventar e contar histórias.
Em tal caso, perderíamos, talvez de modo irremediável, o nosso maior poder.
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Bert Jr. é gaúcho de Porto Alegre, formado em História (UFRGS) e Diplomacia (IRBr). Como diplomata, tem vivido em diferentes países. É autor de dois livros de contos, três de poesia, e do romance Antes do fim do riso. Lançou, também, Sem pé com cabeça – crônicas do século 21, coletânea de escritos humorísticos publicados na Revista Conexão Literatura.
Site: www.bertjr.com.br