“A vida imita a arte”. Taí um dito que a maioria de nós já terá ouvido em algum momento, ou lido em algum lugar. Ainda que a sensação de encontrar, por acaso, a comprovação desse aforismo possa não ser uma raridade, o fato é que sempre nos surpreendemos quando acontece. E aconteceu há pouco comigo.
Como já devem saber os que me leem, eu gosto de escrever – e também de ler – contos. Algumas semanas atrás, li um que me agradou bastante, do gênero absurdo, ou insólito, intitulado “Vigília”. Faz parte do livro Reality (2022), de Paulo Henrique Passos. A história começa com um casal que sai da maternidade com o recém-nascido enrolado numa fralda de pano, carregado nos braços da mãe. Uma vez em casa, o pai publica, nas redes sociais, uma foto tirada na maternidade, em que “a mãe, sorrindo, segurava o filho, deixando à mostra apenas a cabeça dele e mantendo o resto do seu corpo agasalhado”. A reação do público é imediata: cadê o bebê?
Diante dos questionamentos, as dúvidas do marido começam a emergir, e ele vai se dando conta de que o invólucro nos braços da esposa pode estar vazio. Afinal, ela não o deixa ver o filho, muito menos carregá-lo. Percebe que, desde o hospital, ele não tinha ouvido nenhum choro de criança. Na extremidade da coberta onde deveria estar a cabecinha do bebê, só o que se via era “um espaço oco e preto”. Enquanto isso, a foto duvidosa e os comentários que se multiplicam nas redes sociais fazem com que o episódio vire notícia na televisão. Em breve, jornalistas e curiosos se aglomeram na frente da casa, exigindo a exibição do bebê, ou a confissão da fraude. A história é concluída com habilidade: um final em aberto, que mantém o leitor em suspense.
Pouco tempo depois de haver lido esse conto, começam a proliferar notícias e comentários sobre a febre dos “bebês reborn”. Várias situações relatadas se assemelham a narrativas do gênero absurdo: algumas pessoas se achando mães e pais de verdade de bebês feitos de silicone, ou seja, de objetos inanimados; levando seus bebês reborn para exames médicos; exigindo prioridade em filas de atendimento; querendo ocupar assentos preferenciais por carregarem crianças de colo “reborn”.
De um lado, minoritário, um grupo de “pais e mães” extremistas de bebês reborn, pleiteando o reconhecimento de seus “filhos” e dos direitos derivados de sua condição “familiar”; de outro, majoritário, o público crítico, denunciando a situação como falaciosa e exigindo que prevaleça o senso de realidade.
Tal como no conto mencionado.
Me ocorre a pergunta: como ficaria o mundo se o lado minoritário em questão fosse majoritário? A hipótese pode render um bom conto, não é mesmo?

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