Não havia muita opção senão sentar-se na sala diminuta, com porta e janelas escancaradas como se isso pudesse diminuir a inclemência da temperatura vigente, característica do norte do país. De sua parca comodidade, se podia divisar uma nesga de rua por entre as frestas do portão gradeado, enquanto o resto do mundo continuava a existir de costas para o muro alto, decorado com espirais metálicas e pontiagudas.

Entretida na costura, nem desviou o olhar quando ouviu uma voz feminina estridente gritar “Ôla senhora, uma ayuda por favor”. Não estranhou aquela pronúncia diferente, já há algum tempo presente na rua, no bairro, na cidade. Todos os dias, pedidos eram vociferados junto ao portão da casa, de onde um cheirinho de refeição ou de limpeza, a depender da hora do dia, prevalecia sobre a escassez de dinheiro para o aluguel. Quando dava, eram atendidos por meio de uma marmita rasa de comida, uma peça de roupa velha, encolhida ou furada; quase sempre, porém, a resposta se resumia a um não, às vezes disfarçado de evasiva, para evitar ferir ainda mais um orgulho já cambaleante.

Dessa vez, uma voz masculina veio reforçar a da mulher. Em dueto o pedido ganhou força, fazendo a curiosidade transpor os olhos da costura ao portão. “Do que vocês estão precisando?”, perguntou, aproximando-se do casal. “De um empleo”, respondeu o homem. Não tenho como empregar ninguém, pensou consigo a moradora. Do serviço de casa ela própria cuidava, enquanto o marido fazia longas diárias como pedreiro. Reparou discretamente no casal; pareciam ser pessoas decentes. Decidiu convidá-los a tomar um café com uma fatia de torrada, ou biscoito. O homem, então, endurece a face e responde que não é um miserável, que está ali pedindo uma oportunidade de trabalho, que no seu país costumava ser um profissional respeitado, um militar.

Surpreendida com a resposta atravessada, a moradora volta-se para a estrangeira e indaga sobre a razão de terem saído de lá. A mulher, aflita, olha para o marido; este, baixando a vista, revela algo sobre uma ordem que se recusara a executar. A moradora não quis perguntar que ordem tinha sido aquela, nem o que teria acontecido se não tivessem conseguido escapar.      

Embora não fosse dada ao noticiário, ouvia as pessoas comentarem o que se passava do outro lado da fronteira. O infortúnio daquele povo a entristecia, mesmo diante das reclamações de que a violência em sua cidade vinha aumentando, que os estrangeiros ocupavam a maioria das vagas de emprego, que a competição com eles por trabalho era desleal, pois além de serem em média mais qualificados, ainda aceitavam salários baixíssimos para os serviços. Tudo isso era verdadeiro, mas o desespero deles também era.

“A senhora costura?”, perguntou a moradora, para logo ouvir da outra que sim. Vinha pensando mesmo em recrutar uma assistente; não podia oferecer salário, o pagamento seria na forma de comissão sobre as vendas. A outra olhou sorridente para o companheiro, cuja cabeça balançou em modo afirmativo. Antes de ir-se, ele ofereceu seus serviços como segurança. Tinha conterrâneos na mesma situação e podia coordenar uma equipe com três ou quatro vigilantes, que faria a ronda da rua todos os dias, durante as 24 horas. A moradora prometeu falar com o marido. De qualquer forma, tudo dependeria do valor a ser cobrado, e da disposição dos moradores em repartir o custo do serviço.

Quando o casal se foi ela voltou à costura, na sala que fazia lembrar um forno aceso. Sabia que o marido jamais concordaria com a ideia do tal serviço de segurança. Para ele, os visitantes eram gente estranha, em quem não se podia confiar. Paciência. Pelo menos, ganhava uma assistente. Só o que faltava, agora, era a clientela.

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