A primeira vez que vi alguém se render a um pé, já me encontrava praticamente saído da adolescência. Ao relembrar o episódio, me dou conta do quanto me surpreendeu. Na ocasião, um primo de minha mãe fez uma visita para apresentar a namorada, uma jovem juíza de longos cabelos castanhos. Conversa vai, conversa vem, minha mãe pergunta ao primo, de trinta e tantos, o que mais o atraía na beldade ao lado. Tratava-se de uma questão complexa, pois atributos não faltavam à moça, tanto físicos quanto não físicos. A resposta veio sem hesitação: o pé! Meu par de olhos, assim como o de todos na sala, projetou-se para o inusitado objeto de adoração. Convenientemente, a namorada havia cruzado uma perna sobre a outra, mantendo um dos pés em posição elevada, como numa vitrine imaginária, à vista do público espectador.
Minha mãe detestava pés, inclusive os próprios, e demandou explicações ao primo. Como era possível que o fator de maior atração fosse o pé da moça? O inquirido então indaga, em meio a um sorriso embevecido: vocês repararam no pé dela? De fato, era um pé para ninguém botar defeito. Delicado, bem proporcionado, os dedos alinhados num declive perfeito do dedão ao mínimo. Só faltou o primo ajoelhar-se no chão da sala, retirar a sandália do pé suspendido, e, ao acariciá-lo, discorrer sobre suas venerandas qualidades.
O primo de minha mãe foi o primeiro dos adoradores de pé com que me deparei, ou de que tive notícia, ao longo dos anos que se sucederam. Na fase de adulto jovem, acreditei que esse fetiche devia ser coisa de brasileiro, uma benigna variedade nacional de perversão, um subproduto de nossa transbordante sensualidade. Aos poucos, fui descobrindo uma realidade muito diferente. Podólatras são encontrados em todos os continentes, em diferentes épocas, e já impuseram regras estéticas rigorosas para essa parte do corpo, como aconteceu na China da dinastia Qing, em que os pés femininos deveriam medir entre 8 e 10 cm. Algo similar ocorreu no Japão, onde as mulheres eram forçadas a usar calçados de madeira que impediam o crescimento dos pés.
Nos dias atuais, em que proliferam teorias da conspiração as mais diversas, não é demasiado supor que os podólatras formem uma seita secreta, com reuniões periódicas em que pés são trazidos à contemplação de um seleto grupo, suscitando fervor até mesmo religioso: uma seita de adoradores do deus pé!
Recentemente, soube de um curioso anúncio em circulação em Amsterdã, cidade muito frequentada por turistas e estudantes, os quais às vezes passam por apertos financeiros. O anúncio oferecia a quantia de EUR 100 para poder massagear um par de pés femininos durante 50 minutos, contanto que calçassem 41 para cima. Uma estudante brasileira, calçando 39, mas necessitada de renda extra, comunicou-se com o anunciante e a sessão de massagem foi marcada. Quando o podólatra percebeu que os pés da garota não correspondiam ao tamanho estipulado, afirmou que não pagaria mais que EUR 80 pela massagem. A estudante concordou, e a massagem foi feita por um podólatra visivelmente emocionado. Não quero nem imaginar o nível de emoção se os pés calçassem número 43…
Por sinal, em Amsterdã, com tantos espaços artísticos, deverá existir um museu secreto do pé, aberto exclusivamente aos membros de carteirinha da seita dos podólatras. Em exibição: uma sessão de pedicure, na forma de instalação artística, com um podólatra que usa os dentes para aparar as unhas dos pés de uma fileira de modelos holandesas.
Outro caso digno de nota é o de uma jovem brasileira, também universitária, residente em San Diego, Califórnia. A garota está tomando sol na praia e se vê abordada por um desconhecido. Após breve conversa, o rapaz confessa haver observado seus pés, os quais elogia de modo educado. Então, comenta que a noite será de lua cheia, e pede permissão para fotografá-los sob o luar. A garota hesita, acometida de um pudor repentino, afinal os pés são parte do corpo, sabe-se lá que fim irão ter as tais fotos. O rapaz lhe diz que tome o seu tempo para pensar. Em caso positivo, basta entrar em contato pelo número tal. A garota volta para casa, tenta estudar, mas não consegue. O rapaz é educado, simpático, tem boa aparência. Ainda assim, um estranho. Um estranho que lhe faz um estranho pedido. Nunca havia pensado que seus pés poderiam atrair tamanho interesse. Como seria vê-los numa foto sob a luz do luar? Ora, que bobagem, melhor voltar aos estudos. Em vez disso, inquieta, se lança a investigar algo na internet… Até quando irá durar a lua cheia?

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