Fale-nos sobre você.
Socióloga feminista. Brasileira e andreense sempre. Ancestralidade europeia e indígena. Apaixonada por crianças, mar, montanhas, animais e a vida. Professora aposentada de educação infantil e ensino fundamental na Prefeitura de Santo André (SP). Experiência em Gestão de Políticas Públicas: assistente pedagógica; coordenadora do CADE – Centro de Atenção ao Desenvolvimento Educacional na Educação; assessora dos Direitos da Mulher na Inclusão Social; coordenadora do GT Gênero e Raça do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC; da unidade temática de Gênero na Mercocidades (Mercosul) e também de programas no SUS de Enfrentamento à Violência e Abuso Sexual e de Saúde da Juventude. Mestra em Sociologia pela USP (FFLCH) e Doutora em Ciências da Saúde pelo Centro Universitário FMABC. Quatro livros publicados com a perspectiva de gênero e interseccionalidade. Ex-secretária de Políticas para as Mulheres em Santo André. Atualmente Professora Universitária e Rondonista na FMABC. Presidenta do CESCO – Centro de Estudos de Saúde Coletiva.
Para saber mais: https://pt.wikipedia.org/wiki/Silmara_Conch%C3%A3o
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre o livro “Faculdade de medicina: ame-a ou deixe-a!” O que motivou a escrevê-lo?
A pesquisa acontece em Santo André (SP). Este estudo levantou mais uma vez a reflexão de que na nossa sociedade existem sistemas organizados e naturalizados de desigualdades, os quais escondem e perpetuam a violência instalada como algo normal. As pessoas se acostumam com ela. Isto representa um verdadeiro desafio para aqueles e aquelas que buscam quebrar esse ciclo de perpetuação, sustentado pelo silêncio que envolve um mecanismo hierárquico de reprodução e afirmação de poder.
Toda a minha história de atuação nos movimentos sociais, em sala de aula há mais de 35 anos e como professora da Faculdade de Medicina do ABC, levou-me a estudar a questão do trote, o que tenho feito e observado desde 2010.
Desta forma, dedico-me há mais de uma década ao estudo sociológico que envolve esta trama na sociabilidade jovem na universidade, problematizando as dimensões das relações de poder, expondo de forma sistemática os aspectos relacionados ao nosso “currículo oculto”, pautados em um grande movimento que envolve avanços, prazeres e vitórias, bem como constrangimentos, permanências, retrocessos, tensões e resistências na formação do sujeito.
Não só me dedico a este estudo na busca de compreender o fenômeno da cultura trotista, como, quando e porque ela permanece, mas acolho permanentemente alunos e alunas que, angustiados(as) e/ou esgotados(as) desse sistema, buscam vínculos, relações de confiança, apoio e orientação. A ideia não é expor pessoas, área acadêmica, instituição ou órgãos que funcionam dentro da faculdade, mas sim saber mais sobre a engrenagem de um sistema velado que é espelho da nossa sociedade.
A pesquisa levantou um material que permite dialogarmos com um universo denso, proporcionando várias oportunidades de reflexão e relativizando a visão de senso comum relacionada ao trote como ação integradora. Visão essa que coloca, no campo individual, questões que causam preocupações e devem ser tratadas como “problema social” a ser enfrentado.
Fale-nos sobre seus outros livros.
Em 2004 lancei meu primeiro livro com Matilde Ribeiro, através da Assessoria dos Direitos da Mulher (Pref. Santo André) sobre mulheres das áreas de mananciais com apoio da Agência Canadense Para o Desenvolvimento Internacional, o Gênero, Cidadania e Meio Ambiente do Projeto Gepam (Gerenciamento Participativo para as áreas de Mananciais).
Em 2012 lancei dois livros: Masculino e Feminino: a primeira vez – um estudo de gênero sobre a sexualidade na adolescência.
E o “Bulindo” com a Universidade: um estudo sobre o trote na Medicina. Este último, em parceria com o professor Marco Akerman, a professora Roberta Boaretto e alunos(as) do curso de Medicina, com pesquisa vinculada à disciplina da Saúde Coletiva e ao Cesco/FMABC. Ambos os livros defendem a cidadania da nossa população jovem.
E agora este último que apresento aqui, com muito prazer, que também defende a cidadania jovem no combate a todas as formas de discriminação e violência.
Como vê a questão da violência nas escolas? A implementação da cultura de paz pode ser uma alternativa?
A situação exige mobilização geral acerca do nosso problema. Esta transformação na nossa escola e no nosso país perpassa pela aplicação das leis, pela reestruturação da política, da economia, do ensino em todos os seus níveis, da participação cidadã, mas particularmente do fortalecimento daquele e daquela que sente os efeitos da opressão.
Quem protegerá estes jovens das violências?
Elas exigem uma mudança de valores culturais e históricos enraizados e naturalizados na nossa sociedade. As leis existem e são conhecidas como a Lei de Combate ao Racismo, dos crimes lgbtfóbicos, ou a Lei Maria da Penha, mas como acabar com o racista ou o machista que cometem os crimes de ódio, os feminicídios e a violência simbólica? A lei por si só não muda a cultura, é preciso muito debate, reflexão, ciência, consciência, memória, história, leitura de mundo e, sobretudo, coragem e luta para vencermos esse desafio.
A mudança, além dos limites impostos pela lei, deve ser estrutural. Depende da ampliação do acesso dos indivíduos à informação, participação cidadã e política e aos recursos para se protegerem, mas especialmente de transformações sociais profundas relacionadas ao nosso contexto social, histórico e político.
Como analisa a questão da leitura no país?
A leitura foi sempre um grande desafio para nós na carreira de professoras. Nos empenhamos muito sempre para que desde a educação infantil, conseguíssemos desenvolver o hábito e o prazer da leitura com nossos alunos (as). Pois sabemos que a leitura é uma arma contra a ignorância e a cegueira social e política. Um povo ignorante interessa muito ao sistema capitalista explorador. Em nosso país, nunca tivemos apoio suficiente. Vai ver o orçamento destinado à Cultura, à Ciência e a Tecnologia. Tivemos e temos ainda muita dificuldade e se for pensar na nossa história não contada, nossa memória apagada, nunca fomos incentivadas a pensar sobre as nossas origens. Enfim, a quando a gente pode sair do país, visita museus lá fora e aqui não procuramos apreciar os nossos poucos museus que temos. Então falo de uma cultura histórica que não é incentivada. Isso explica muito sobre nossa característica desigual e ainda extremamente colonialista. Casa-grande e senzala mesmo, um abismo mesmo. A riqueza concentrada sob a detenção de uma minoria aposta na ignorância de uma maioria, pra não perder poder nem privilégios e dominar. Sendo assim, o investimento em políticas públicas que sempre foram insuficientes na educação continua sendo.
E em todos os setores da sociedade vejo a biblioteca muito desvalorizada e sabemos que somente investimento financeiro não é suficiente.
De novo aponto que temos que investir também na mudança para uma transformação profunda de sociedade. Apostar e investir fortemente nas estratégias que fomentem a educação e a cultura e que despertem o prazer de ler.
Uma campanha com todos os setores interessados para construir um Brasil de leitores, com acesso à leitura nas escolas, em casa, nas praças, no campo, na floresta, nas comunidades todas e em bibliotecas.
Potencializando o desenvolvimento crítico, estético e inventivo.
Isso fortalece a nossa identidade e muda o mundo!!
Uma pergunta que não fizemos e que gostaria de responder.
Sem mais!! Agradeço a oportunidade. E parabéns pelo trabalho. Estão fazendo uma parte importante disto tudo que falei aqui. Parabéns mesmo e força sempre!!!
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020), Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021), O quarto número 2 (Editora Uirapuru, 2021) e Exercícios de bondade (Editora Ciência Moderna, 2023). Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de Letras, 2020) e seu mais novo livro se denomina Exercícios de bondade (Editora Ciência Moderna, 2023).