Livro(s) do Desassossego, de Fernando Pessoa é o livro objeto da resenha. A obra lida foi publicada pela Global Editora e a edição foi realizada por Teresa Rita Lopes, que organizou os textos do autor português, separando os três livros que compõe a publicação. Convém mencionar, portanto, que aqui temos os textos de três semi-heterônimos (expressão utilizada pelo próprio Fernando Pessoa): Vicente Guedes, Barão de Teive e Bernardo Soares. Cada um deles tem a sua própria identidade, que será notada pelo leitor ao ter contato com os escritos. Mas, juntos, eles dão a grandeza do que é o Livro do Desassossego.
Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português fascinante. Seus heterônimos demonstram a versatilidade de um grande escritor e, além disso, criou sobre ele uma mística. Os três heterônimos, Alberto Caieiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis nos fascinam.
O primeiro livro dessa obra é escritor por Fernando pessoa que depois nomeou Vicente Guedes como seu representante. Segundo informação da editora “não sabemos ao certo quando Pessoa atribuiu a Vicente Gudes a autoria desse livro”. No entanto, fato é, que o estilo empregado continuou o mesmo como que vinha sendo escrito antes, por Pessoa propriamente dito.
“Que sonhos tenho? Não sei. Forcei-me por chegar a um ponto onde nem saiba já em que penso, com que sonho, o que visiono. Parece-me que sonho cada vez mais de longe, que cada e vez mais sonho o vago, o impreciso, o invisionável.”
Guedes se demonstra um autor bastante sonhador, uma pessoa que transparece em seus textos o olhar para as sensações, para os sentimentos, e a tudo que nos rodeia ele dá uma interpretação mais sensitiva, tanto as coisas quanto as pessoas, como se pode observar no texto denominado O Amante Visual: “o meu destino de contemplador indefinido e apaixonado da aparência e da manifestação das coisas – objetivista do sonhos, amante visual das formas e dos aspectos da natureza…”
Vicente Guedes é um semi-heterônimo que fala muito sobre o sonhar em seus textos. Tema recorrente que rivaliza, une-se e distancia-se da vida quotidiana. Em certa passagem do livro ele diz que afastou-se para o cargo do pensamento, local em que vive o seu conhecimento emotivo da vida. Daí termos que suas reflexões soam no campo do pensamento em relação a algo mais abstrato do que concreto.
O livro de Barão de Teive é o segundo presente na publicação. Esse autor é ainda pouco conhecido no universo de quem estuda Fernando Pessoa. Os escritos de tal semi-heterônimo aparecem como uma espécie de testamento em que o autor, ao se aproximar do suicídio, resolve escrever os textos para se definir.
Seus temas principais trafegam entre filosofar sobre seu pessimismo, relatar a necessidade do suicídio (que dá o caráter testamentário aos textos que produziu) e fala ainda sobre sexualidade.
Ao contrário de Vicente Guedes, o Barão de Teive, tem repugnância pelo sonho, um dos temas principais do primeiro autor. O livro do Barão é o mais curto entre os três que formam o Livro do Desassossego.
Passamos para o terceiro autor presente na obra: Bernardo Soares. Esse escritor começa a atuar nos idos de 1929. Desse ano até 1935 Fernando Pessoa teria trabalhado a escrita através de Bernardo Soares e de Álvaro de Campos. Soares é amante da vida, se define como um decadente e busca se distanciar dos românticos.
É um escritor bastante analítico, que se propõe a falar sobre tudo com seu aguçado olhar fotográfico, no entanto, além de descrever analiticamente, não deixa de refletir sobre o que escreve ou descreve. Notadamente, é um escritor que vê a vida em movimento e observa o movimento que a vida faz: “Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra”. Ainda que algo da vida não seja visto com tamanha facilidade ou se tenha certeza sobre ela, a vida continua, se movimenta. Por isso, ele também fala sobre viagens e descrições sobre o próprio ato de escrever.
“Para mim, escrever é prezar-me; mas não posso deixar de escrever” – relata o autor em certa passagem. E, sobre o uso das palavras Bernardo Soares diz: “…gosto das palavras. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereis visíveis, sensualidades incorporadas”.
Ao leitor caberá apreciar os três livros que formam a publicação e que nos colocam em contato com a diversidade trabalhada por Fernando Pessoa. Cada autor tem seu estilo, sua personalidade, seu próprio olhar diante dos acontecimentos e das pessoas. Embora sejam todos textos fragmentados que versam sobre assuntos diversos, o leitor conseguirá diferenciar cada um dos autores, justamente pela composição extremamente detalhada que Pessoa fazia de suas vozes.
Ora eles se revelam ligados aos sentimentos e suas impressões sobre a vida, ora os textos nos fazem refletir sobre sentimentos e fatos, ora descrevem cenas e passam pela filosofia dos acontecimentos, ora revelam as inquietações de quem escreve. Os textos tem palavras rebuscadas, uma forma estrutural de certo modo distante do jeito como se escreve na contemporaneidade, no entanto é extremamente acessível e facilmente inteligível. Não se assuste, caro leitor. As 472 páginas do livro publicado pela Global Editora passarão e você nem perceberá, tamanha é a fluidez com que somos conduzidos. Mesmo, como dito anteriormente, sendo textos fragmentados, o arranjo feito por Teresa Rita Lopes nos permite contemplar a obra como um todo.
Fernando Pessoa foi um escritor admirável e que permanece capaz de despertar fascínio nos leitores que tem contato com sua vida e obra. Livro(s) do Desassossego é um obra para ter, ler e reler.
Ficha Técnica
Título: Livro(s) Do Desassossego
Escritor: Fernando Pessoa
Editora: Global
Edição: 1ª
Número de Páginas: 472
ISBN: 978-85-260-2206-5
Ano: 2015
Assunto: Literatura portuguesa