É muito comum se dizer que histórias baseadas em herois com superpoderes são batidas e apoiadas em clichês enjoativos. Prova disso é a quantidade de vezes em que as grandes editoras de quadrinhos tentaram se reinventar, matando personagens relevantes e queridos pelo público, ou criando eventos catástróficos para “zerar” seus universos.
Muitos leitores de histórias em quadrinhos acabam enjoando das histórias tradicionais com o tempo, buscando refúgio em editoras menores, que acabam publicando um material mais alternativo, com menos influência das necessidades mercadológicas que prendem as grandes editoras e, portanto, mais distantes do lugar comum.
Obviamente, os filmes da Marvel, com o sucesso estrondoso nos últimos anos, desmentem (em parte) as afirmações acima, mesmo que uma análise mais profunda dos filmes, na verdade, acabe mostrando que o grandioso universo criado pela Marvel para o cinema não deixa de ser, a rigor, um reboot do universo tradicional dos quadrinhos.
(Mas essa discussão deve ser guardada para um outro post).
Vez ou outra, no entanto, aparecem histórias diferentes, com um potencial de agradar a diversos tipos de leitores, fazendo-nos lembrar de como a eterna luta do Bem contra o Mal mexe com o imaginário coletivo. Se for possível adicionar superpoderes a essas histórias, melhor ainda.
O romance Coração de Aço (Aleph, 2016), escrito pelo norte-americano Brandon Sanderson é um excelente exemplo de reinvenção de histórias de herois com superpoderes. No romance, lançado originalmente em 2013 e que dá início à saga dos Executores, vemos um mundo alterado por um evento cataclísmico que fez com que uma pequena parcela da população, humanos comuns, adquirissem superpoderes. Ao contrário do que normalmente se vê em histórias desse tipo, e fugindo do clássico “Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”, esses escolhidos, que passam a se chamar Épicos, acabam usando seus recém-adquiridos poderes em benefício próprio, agindo quase unanimemente de maneira egoista, buscando o controle de cidades inteiras para si. Na busca pelo poder, a maioria desses vilões superpoderosos acabam se tornando verdadeiros tiranos, mantendo populações interias sob seus domínios.
Mostrando claramente que superpoderes podem, sim, corromper seus portadores, a narrativa de Coração de Aço gira em torno de um jovem cujo pai foi assassinado por um desses Épicos e que desenvolve uma verdadeira fixação por essa nova classe de humanos, enquanto busca coletar dados e informações para trabalhar em sua vingança. O jovem se une a um grupo de terroristas que tenta minar a autoridade dos Épicos, trabalhando incansavelmente para libertar a humanidade desse jugo.
A leitura é extremamente agradável e fluida. A narrativa em primeira pessoa faz com que os leitores facilmente se identifiquem com a personagem principal, desde o momento em que suas lembranças de infância são apresentadas até o drama enfrentado no final do livro. Há, como se pode esperar, uma série de referências a histórias em quadrinhos, super-herois de todo tipo, até mesmo Pokemons. Passado num futuro próximo, mas totalmente distópico, o romance apresenta uma dose razoável de ficção científica, inclusive com várias engenhocas tecnológicas que fogem (ainda) da compreensão atual.
Se fosse necessário apontar um ponto negativo na narrativa criada por Brandon Sanderson, provavelmente os diálogos sejam um pouco cansativos. Não que sejam longos, pelo contrário, mas soam um pouco artificiais às vezes. Na tentativa de criar um ambiente mais descontraído ou um linguajar despojado, muitas vezes a impressão que se passa é de uma conversa boba, quando na verdade, o assunto tratado parecia ser bem mais sério.
Esse problema, no entanto, não afeta tanto a experiência da leitura. O que mais chama atenção realmente é a pegada legal da história, as diversas opções criadas com tantos Épicos superpoderosos, e o drama pessoal do protagonista. A história tem alguns plot twists bem interessantes e muito surpreendentes, fugindo quase sempre da solução óbvia.
As sequências de ação e luta são de tirar o fôlego, daquelas que deixam o leitor cansado ao final do capítulo, e prendem  muito a atenção. Há um trecho lá pela metade do livro em que as coisas parecem que vão ficar meio arrastadas, mas o último quarto do livro engrena bem e vai numa toada meio alucinada até o final, com um desfecho muito bom.
Em diversos trechos da leitura, aparecem algumas discussões interessantes sobre o verdadeiro significado de superpoderes, de quais são as reais necessidades humanas, e do quanto vale a pena lutar (ou não) por uma condição melhor. Até mesmo essa “condição melhor” chega a ser questionada.
Ao término da leitura, o que fica é a vontade de continuar a série, que segue com mais dois romances também publicados pela Editora Aleph, Tormenta de Fogo e Calamidade, além da sensação de que tem muita história boa de super-heroi para ser contada. Mais do que isso, fica uma mensagem interessante de que mesmo o mais ordinário dos humanos pode se tornar protagonista quando tem a motivação correta.

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