Robert E. Howard
é mais conhecido por ter praticamente criado sozinho o gênero espada e magia e
por sua maior criação, o bárbaro Conan. Mas Howard ganhava dinheiro escrevendo
para pulp fictions, o que fez com que ele se aventurasse nos mais variados
gêneros. Entre eles, o policial, como podemos conferir no livro Rato de
cemitério, da editora AVEC.
Para o gênero
ele criou o detetive Steve Harrison, sobre o qual escreveu nove histórias.
Dessas, só conseguiu vender cinco, mas só quatro foram publicadas porque a
revista que havia comprado um dos contos acabou antes de publicá-lo. A edição
da AVEC reúne esses quatro publicados.
Todas as
histórias se inserem dentro do subgênero weird menace, muito popular na época,
com histórias repletas de seitas secretas, ocultistas assassinos e um clima
sobrenatural que no final se revelava como algo que poderia ser explicado de
maneira racional.
O primeiro conto
“Os nomes do livro negro” mostra Harrison envolvido com um vilão que
provavelmente apareceu numa das histórias perdidas, o mongol Erlik Khan. Aparentemente
morto na história anterior, o senhor da morte resolve se vingar daqueles que
considera responsáveis por sua queda, o detetive e sua parceira, Joan La Tour.
Embora a
história se passe nos EUA dos anos 30, a descrição dos personagens parece ter
saído de alguma história da era hiboriana. Joan por exemplo é descrita como uma
mulher bonita de um jeito exótico: “Uma figura suave e morena com as cores
suntuosas das noites púrpuras e auroras carmins orientais com seus cabelos
negros e lábios vermelhos”.
Já Harrison tem
“Olhos azuis frios e os músculos salientes mesmo sob o casaco. Seus ombros eram
fortes como de um touro”. Ou seja, um Conan de sobretudo.
Aliás, até mesmo
a filosofia de que a civilização representa a decadência dos homens, o que pode
ser observado em vários trechos, como “Criado até a fase adulta na parte
bárbara e cruel do mundo, onde a sobrevivência dependia da habilidade pessoal,
seus sentidos eram mais aguçados do que o possível para homens civilizados”.
Na história,
Harrison e um gigante afegão, Khoda Khan, resgatam a garota das mãos do vilão.
“Os nomes no
livro negro” é, portanto, uma história de espada e magia sem espada e
magia.
“Presas de ouro”
chamava-se originalmente “O povo da serpente”, um nome muito mais adequado. Ao
mudar o título, o editor não levou em consideração a trama.
Na história, o
detetive Steve Harrison entra no pântano em busca de um chinês que assassinou
um comerciante e roubou seu dinheiro, deixando uma órfã na miséria. É mais um
conto tipo espada e magia, com revólveres no lugar da espada. No pântano vive
um povo vindo do Haiti, adeptos do vodu e o detetive se vê no meio de uma trama
que envolve vingança e ritos pagãos.
O melhor conto
do livro é “Ratos de cemitério”, merecidamente a história que dá título ao
volume. Nessa, Howard consegue unir todas as referências anteriores numa trama
de mistério intrigante e repleta de reviravoltas.
Na história, Steve
Harrison é contratado por um fazendeiro para aprisionar o assassino do irmão.
A sequência
inicial é arrebatadora. Um dos irmãos do morto está dormindo quando começa a
ouvir som de ratos. Quando finalmente se levanta, ele encontra a cabeça do
irmão morto em cima da lareira e um rato de cemitério tentando a todo custo
subir para devorá-la, numa sequencia de intenso terror.
A narração dessa
sequência é um ótimo exemplo de como Howard sabia criar o clima adequado de
tensão e horror (algo no qual ele se saiu ainda melhor que seu mestre HP
Lovecraft):
“Os únicos sons
eram os dos barulhos selvagens de seu coração, o tique-taque barulhento de um
relógio antigo em cima da lareira – o tamborilar enlouquecedor do rato oculto.
Saul cerrou os dentes ante o grito de seus nervos torturados. Mesmo em meio a
um terror crescente, ele encontrou tempo de se peguntar o porquê daquele rato
estar correndo para baixo e para cima na frente da lareira”.
O quarto conto é
“O segredo da tumba”. Na história, dois milionários norte-americanos são mortos
e suas mandíbulas roubadas. O detetive criado por Howard se ocupa de proteger o
terceiro milionário ao mesmo tempo em que tenta descobrir o que está
acontecendo. É uma narrativa que se aproxima do policial com elementos de
terror, embora com menos eficiência do que em “Rato de cemitério”. Quando esse
texto foi publicado, o editor mudou o nome do detive para Brock Rollins e a
AVEC optou por manter esse segundo nome, o que deixa o texto confuso para o
leitor, já que a descrição e o comportamento do personagem são os mesmos Steve
Harrison, mas o nome é outro. Uma opção seria reverter para o nome original
usado pelo escritor.
Howard não
gostava do gênero policial e escreveu histórias desse tipo apenas pela
possibilidade de ganhar uns trocados a mais, como revelou numa carta a um amigo
“Já hei abandonado de forma quase definitiva o campo dasestórias de detetives,
no qual até agora não consegui publicar nada, e que representa um tipo de estória
que, na realidade,detesto. Resulta-me difícil, inclusive, ler os contos desse
gênero, e também digo, escrevê-los”. Isso talvez explique o fato de que seus
contos geralmente acabavam descambando para algo próximo da aventura e até
mesmo da espada e magia.
Seu estilo, no
entanto, era tão poderoso e envolvente, que até mesmo essas histórias nas quais
ele botava pouca fé acabam se revelando tesouros secretos.
A edição da AVEC
é bem cuidada, em papel pólem, embora careça de mais textos que
contextualizassem o livro.
Enfim, Ratos de
cemitério é um livro obrigatório para os fãs de Robert E. Howard.