O maior poema épico da língua inglesa, Paraíso Perdido de John Milton, dividiu os críticos – mas sua influência na literatura inglesa fica atrás somente de Shakespeare, escreve Benjamin Ramm. 

Paraíso Perdido, de Milton, é raramente lido hoje em dia. Mas este poema épico continua a ser um trabalho de gênio, incomparável, que molda a literatura inglesa até hoje.

Em mais de 10.000 linhas de versos, ele conta a história da guerra no céu e da expulsão do homem do Jardim do Éden. Suas dezenas de seções, são uma tentativa ambiciosa de compreender a perda do paraíso – das perspectivas do anjo caído, Satanás, e do homem, afastado da graça de Deus. Mesmo para os leitores em uma era secular, o poema é uma poderosa meditação sobre a rebelião, anseio e o desejo de redenção.

Quando Milton começou a escrever Paraíso Perdido em 1658, ele estava de luto. Foi um ano de sofrimento, marcado pela morte de sua segunda esposa, homenageada em seu belo Soneto 23 , e do Lord Protector da Inglaterra, Oliver Cromwell, que precipitou a desintegração gradual da república. O Paraíso Perdido é uma tentativa de dar sentido a um mundo caído: “justificar os caminhos de Deus aos homens”, e sem dúvida ao próprio Milton.

Mas esses aspectos biográficos não devem minimizar a centralidade da teologia para o poema. Uma razão pela qual Milton é menos lido agora é que seu léxico religioso – que tentava explicar um mundo “caído” – caiu do uso. Milton, o puritano, passou a vida envolvido em discussões teológicas sobre temas tão diversos como a tolerância, o divórcio e a salvação.

O poema começa com Satanás, o “Anjo Traidor”, lançado no inferno depois de se rebelar contra seu criador, Deus. Recusando-se a submeter-se ao que ele chama de “a Tirania do Céu”, Satanás procura vingança tentando no pecado a criação preciosa de Deus: o homem. Milton dá um vívido relato da “Primeira Desobediência do Homem” antes de oferecer um guia para a salvação.


Gustave Doré, A queda dos Anjos

O crítico Christopher Ricks, observa que Paraíso Perdido é “um argumento feroz sobre a justiça de Deus” e que o Deus de Milton tem sido considerado inflexível e cruel. Em contraste, Satanás tem um carisma escuro (“ele agradou aos ouvidos”), é revolucionário e determinado. Seu discurso é agressivo, com a linguagem da governança democrática (“liberdade de escolha”, “consentimento pleno”, “o voto popular”) – e ele declara: “Melhor reinar no Inferno do que servir no Céu”. Satanás rejeita ser um vassalo de Deus, procurando viver em liberdade do que se colocar sob o jugo do mesmo.

Milton acreditava que sua missão era introduzir, aumentar o reino de Deus na Terra. Embora desprezasse o conceito do “direito divino dos Reis”, Milton estava disposto a se submeter a Deus na crença, nas palavras de Benjamin Franklin, de que “a Rebelião aos Tiranos é Obediência a Deus”.

Embora a discussão de Paraíso Perdido seja frequentemente dominada por argumentos políticos e teológicos, o poema também contém uma certa celebração ao amor. Na versão de Milton, Eva se rende à tentação, quando ela cai em desgraça, Adão escolhe se juntar a ela: “perder-te era perder-me”, diz ele.

Poucos meses antes da restauração da monarquia de Stuart, em maio de 1660, Milton publicou uma carta denunciando a realeza. Em 1667, quando foi publicado Paraíso Perdido, Milton já estava prezo em uma torre de Londres, desprezado, e seus escritos foram queimados. Conseguiu escapar da execução graças a um poeta amigo, Andrew Marvell.

No entanto, Paraíso Perdido foi aclamado imediatamente, mesmo entre os realistas. Samuel Johnson classificou Paradise Lost entre as mais altas “produções da mente humana”.

Os escritores românticos celebraram Milton tanto por sua postura contra a censura quanto por sua forma poética inovadora, alusivo e livre do que ele chamou de “a escravidão problemática e moderna de rima”. Paraíso Perdido inspirou Frankenstein de Mary Shelley, enquanto Wordsworth começou seu famoso soneto de Londres em 1802 com um apelo: “Milton! Tu deverias estar vivendo a esta hora: a Inglaterra tem necessidade de ti “.

Mas nem todos os críticos eram favoráveis. O século XX nos trouxe a ‘Controvérsia de Milton’, durante a qual seu legado foi ferozmente contestado. Seus carrascos incluíam poetas como: TS Eliot e Ezra Pound (que escreveu que “Milton é o pior tipo de veneno”), enquanto o apoio vinha tanto de cristãos devotos quanto de ateus (incluindo William Empson, que disse, ” O Poema é tão bom que faz Deus tão ruim”). Malcolm X leu o Paraíso Perdido na prisão, simpatizando com Satanás, enquanto AE Housman brincava que “o malte faz mais do que Milton pode, reconciliar os caminhos de Deus com o homem”.

Nos últimos anos, Paraíso Perdido encontrou novos admiradores. Milton é “nosso maior poeta público”, diz o autor Philip Pullman
Pullman adora a audácia de Milton – sua declaração de que criará “Coisas que ainda não foram tentadas em Prosa ou Rima” – e sua musicalidade: “Ninguém, nem mesmo Shakespeare, ultrapassa Milton no comando do som, da música, do peso, gosto e Textura de palavras inglesas.

Em 1654, Milton já estava completamente cego. Seus inimigos consideravam sua cegueira como retribuição divina, mas sua condição aumentava sua sensibilidade musical aguda.
Dizem que Milton tinha sonhos febris durante a escrita de Paraíso Perdido e acordava com passagens inteiras formuladas em sua mente. A primeira vez que li o poema, eu o fiz de uma vez, durante a noite – como Jacó lutando com o Anjo até o amanhecer. Cada releitura traz intoxicação, exaltação e exaustão, e vindica a observação de Milton: “A mente é seu próprio lugar, e em si mesma pode fazer um Céu do Inferno, um Inferno do Céu”.

Gustave Doré, O Diabo


Fonte: BBC Culture


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