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Marta Campos – Foto divulgação |
Marta, 36 anos, mãe de dois meninos, terapeuta ocupacional de formação, residente de Montreal (Canadá), escritora. Como trabalho no serviço de Home Care, visito vários pacientes por dia e sou convidada a adentrar seus universos singulares. Muitas personagens e situações são inspiradas desses encontros. Tenho uma fonte inesgotável de histórias, dramas, sofrimento, alento e candura. Divido meu tempo entre o trabalho, os filhos, o marido e a escrita. Preciso escrever, ao menos, 25 minutos por dia para não enlouquecer. Minha dose homeopática de sanidade. Nos livros, me sinto potente ao debochar um pouco da vida. Confesso que a comédia foi a forma que encontrei para dar algum sentido ao sofrimento.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre seu livro.
O livro foi minuciosamente planejado. Queria garantir que cada detalhe aparecesse no momento certo. No início do planejamento, escrevi o enredo de forma linear e, em seguida, trabalhei em como iria apresentá-lo ao leitor. Quando terminei o planejamento, li e me diverti com aquilo que tinha criado. Disse a mim mesma : Preciso escrever essa estória.
Eu morava, naquela época, em um condomínio e havia um casal que passeava sempre com o mesmo cachorro. Eles nunca estavam juntos e isso me intrigava. Sabia que eram um casal por conta do cachorro. Esse foi um elemento que eu quis brincar e o coloquei intencionalmente no romance. Os outros personagens e situações foram acrescentadas aos poucos. Eu queria que os detalhes mais insignificantes trouxessem a resolução do enigma. Assim, escolhi personagens com forte apelo instintivo, um papagaio e um bebé recém-nascido. Não é spoiler, caro leitor. Fique atento a esses dois coadjuvantes de « Entre 4 paredes » e me diga se você conseguiu resolver o mistério antes do final.
Eu tinha uma viagem prevista no Natal de 2015, para ver minha família no Brasil. Escrevi a primeira parte do romance antes da viagem « Os Vizinhos » e as duas outras após meu retorno. Aproveitei minha estada para sentar com meu cunhado advogado e esclarecer dúvidas legais presentes no enredo: abertura de inquérito, funcionamento de uma investigação, da perícia etc.
No processo de releitura e revisão, quis simplificar o máximo as passagens, descartar os excessos de explicações para deixar o leitor flutuar com os próprios pensamentos.
Fale-nos sobre seu processo de criação.
Respeito algumas etapas na elaboração dos meus romances.
1. O garimpo: Anoto toda ideia que pareça ter alguma relevância: situações do cotidiano, anedotas, traços de personalidade intrigantes, insights. Tudo que eu ache interessante. Mantenho um caderno permanente em minha bolsa. Uma verdadeira relíquia. Meu trabalho de escritora não é de encontrar ideias, apenas de reconhecê-las quando aparecem.
2. Story line: Talvez a parte mais difícil e, portanto, crucial. Defino em uma linha (às vezes duas) a essência de minha narrativa. Darei o exemplo do “Entre 4 paredes”: Moradores de um mesmo prédio têm suas rotinas interrompidas com a morte de um vizinho, no dia da final da Copa do Mundo. Os barulhos ouvidos pelos moradores são o eixo condutor dessa investigação cômica, repleta de reviravoltas.
3. Planejamento: organização da narrativa em capítulos sequenciais. Descrição concisa (cerca de 1 parágrafo, como em uma ficha catalográfica). Gosto de me alongar nessa etapa e imaginar cada capítulo, como em um teatro e suas cenas. Brinco de mudar as fichas de ordem e reconto a história do começo ao fim. Por vezes, deixo uma em vermelho, retiro, recoloco em outro lugar. Pego um capítulo do meio da narrativa e boto no início. Enfim, eu preciso visualizar a história por inteiro antes de escrevê-la propriamente.
4. Escrita dos capítulos conforme o planejamento. Por vezes aqui, um capítulo pode ganhar volume e virar dois, ou mesmo dois capítulos se condensarem em um. Mas, de forma geral, as mudanças são mínimas e quase estilísticas. Caso eu tenha muito desejo em chacoalhar a ordem dos capítulos, paro a escrita e volto à etapa anterior.
5. Molho: Terminada a escrita deixo o manuscrito de molho, ao menos 3 meses.
6. Revisão 1, do conteúdo. Aqui posso transformar em diálogo uma passagem descritiva, enxugar excessos, trabalhar passagens etc.
7. Revisão 2, do português e da fluência da leitura.
8. Leitores Betas: Entrego o manuscrito para, ao menos, 3 leitores Betas de minha confiança.
9. Ajustes no manuscrito segundo as devolutivas dos Betas. Por vezes envio ao um quarto Beta, após as modificações.
10. Revisão 3. Pente-fino. Revisão completa do manuscrito após todas as modificações (para assegurar a coerência e o português).
11. Revisão profissional (quando estou inteiramente satisfeita). Teve manuscrito que após todas essas etapas ficou na gaveta 8 meses antes de receber a última repaginada.
12. Entrega do original ao editor.
Ufa! Só me dei conta da quantidade de revisão que faço ao escrever esse esquema resumido. Quando é a hora da escrita, eu sento e escrevo. Não reviso. No meu caso, garante a fluidez do enredo.
Como o leitor interessado deverá proceder para saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho?
A melhor forma de conhecer meu trabalho é através da página facebook @macescritora. Mantenho o leitor atualizado sobre lançamentos futuros, projetos atuais, além de sorteio de exemplares. Não deixe de curtir a página.
Aproveito para deixar os links dos meus livros publicados:
Entre 4 paredes impresso: http://www.selojovem.com.br/pd-4291a7-entre-4-paredes.html?ct=&p=1&s=1
Entre 4 paredes digital: https://www.amazon.com.br/dp/B07B4836R4
Quando o mundo não conspira ao teu favor: https://editoramultifoco.com.br/loja/product/quando-o-mundo-nao-conspira-ao-teu-favor/
Família não se escolhe: http://www.bookess.com/read/27150-familia-nao-se-escolhe/
Como analisa a questão da leitura no país?
Há mais de 8 anos moro fora do país e me abstenho em tecer comentários conclusivos sobre hábitos de leitura. Meu espectro é bastante enviezado.
O que tem lido ultimamente?
A chave de casa, Tatiana Salem Levy
O muro, Jean-Paul Sartre
Tempo de despertar, Oliver Sacks
Preciso ter sempre um livro na bolsa, respiro ficção. Posso dispensar crônicas e jornais, mas prescindo dos livros, mesmo que seja uma biografia ou um romance histórico.
Quais os seus próximos projetos?
Meu segundo romance ‘Como cometer um crime sem perder a dentadura’ será lançado em agosto 2018, na Bienal do Livro de SP pela editora Selo Jovem. Estou muito contente e não vejo a hora de ver a prova final. Trata-se de uma comédia cujo enredo ocorre em um único dia. Quem leu e gostou de “Entre 4 paredes” irá certamente se divertir. São estilos narrativos idênticos.
Além disso, terminei há pouco o primeiro esboço de um terceiro romance “Se fosse fácil não teria graça”, título temporário. Esse ano será o ano de deixá-lo de molho, revisar, reescrever partes, enviar aos Betas, lapidar o manuscrito até que se torne uma obra e possa ser publicado em 2019. O estilo narrativo é idêntico aos anteriores, narrativa que se desenvolve em um único dia, vários personagens e tramas que se entrecruzam e formam um tessitura cômica.
Estou também no início de um projeto ousado, ao menos para mim. Me propus a escrever uma ficção em memória ao meu avô paterno. Ele foi jornalista, agitador político e correspondente de Mário de Andrade por anos. Contribuiu para o acervo de cantigas populares, participou da revolução de 1932 (de São Paulo) na qualidade de jornalista e fez parte de um período intenso da história do Brasil. Ao falecer, minha avó queimou todos os seus documentos e a família se deparou com um segredo velado.
“Cidadão do Mundo” (título temporário) é a história de Alfredo Gomes Arêas e sua busca por registrar e documentar o que possa ser perdido, de cantigas folclóricas faladas aos bastidores da revolução de 1932. Essa busca encontra eco com sua trajetória pessoal, o mistério velado de sua identidade e de registros perdidos.
Estou no início da escrita e planejo, ao menos, 2 anos para que o manuscrito fique pronto. Será um livro grande, com documentos, lista de passageiros, cartas trocadas com Mário de Andrade e tudo mais. Porém o mais difícil eu já fiz, a escolha de fazer desse livro uma ficção baseada em meu avô. Não será uma biografia, haverá muitas cenas, personagens e uma linha narrativa cronológica e envolvente. Vamos ver no que dá. Estou curiosa também.
*Sérgio Simka é professor universitário desde 1999. Autor de cinco dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a coleção Mistério, publicada pela Editora Uirapuru.
Cida Simka é licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Coautora do livro Ética como substantivo concreto (Wak, 2014) e autora dos livros O acordo ortográfico da língua portuguesa na prática (Wak, 2016), O enigma da velha casa (Uirapuru, 2016) e “Nóis sabe português” (Wak, 2017).