ENTREVISTA – POR ADEMIR PASCALE (ESCRITOR E EDITOR DA REVISTA CONEXÃO LITERATURA):
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como e quando foi fundada a “Casa Brasileira de Livros”?
Cândido Luís Vasques: A Casa Brasileira de Livros foi fundada em 2021, mas é uma ideia mais antiga. Não sei precisar quando nasceu a ideia; mas antes mesmo de abrir as portas da Casa, organizei a primeira edição do Pena de Ouro, para sentir um pouco como seria atuar na internet. O que gera uma situação curiosa: o nosso prémio (sim, com acento agudo) é mais antigo do que a editora que o organiza nos dias de hoje. Outra coisa curiosa é que o nosso primeiro projeto (de edição) ainda não saiu à lume: o épico “Colombo”, de Araújo Porto-Alegre. Pois, como se trata de um resgate de uma obra esquecida de um autor há muito tempo falecido, outros projetos, mais urgentes e “vivos”, foram tomando a frente.
Mas, voltando à pergunta, a Casa Brasileira de Livros foi fundada não só como uma editora, mas como um grande “guarda-chuva” para vários projetos ligados à literatura, aos livros, às artes e à cultura de uma maneira geral. E tem cumprido muito bem o seu papel.
Conexão Literatura: Como editora, quantos títulos já foram publicados pela Casa?
Cândido Luís Vasques: Considerando tudo, já publicamos 24 títulos nesses dois anos e meio, e temos mais 8 livros “engatilhados”, digamos assim, para sair ainda neste ano ou no início do ano que vem, o que vai nos dar uma média boa de aproximadamente um livro por mês. De qualquer forma, preferimos qualidade à quantidade.
Conexão Literatura: Vocês organizam prêmios e concursos literários, como o comentado Prêmio Internacional Pena de Ouro. Poderia comentar?
Cândido Luís Vasques: Sim, organizamos o Prémio Internacional Pena de Ouro, que busca ser uma forma de reconhecimento a autores de todo o universo lusófono. O Pena de Ouro tem as suas particularidades, é um evento muito especial; um prêmio único, com seus jurados internacionais, com a representatividade dos países lusófonos… Não há nada igual. Além disso, é para contos e poemas avulsos, e não para livros inteiros, o que facilita a vida de autores ainda não publicados.
Organizamos também o Prêmio MicroConto de Ouro, que é o maior prêmio para microcontos do Brasil (na verdade, em língua portuguesa, é o maior do mundo!), já em terceira edição. As inscrições deste ano já estão encerradas, e o resultado sai dia 15 do mês que vem (setembro). Também já organizamos a antologia 1001 Poetas, que não foi bem um concurso literário, mas uma seleção de diversos poemas com qualidade literária mínima para compor uma antologia. Foi a maior antologia poética de autores contemporâneos, vivos, que se tem notícia na história literária do Brasil. Nunca houve nada igual. Porém não é algo que pretendamos repetir, ao menos não tão cedo. Talvez façamos outra antologia, mas menor. Além disso, pretendemos lançar um novo prêmio, talvez para contos e poemas avulsos, tal como o Pena de Ouro, mas incluindo também crônicas, gênero que o público tem solicitado bastante; e que tenha uma taxa de inscrição mais acessível (outra coisa que nos é solicitada), sem todos esses custos que existem no Pena de Ouro. Mas isso ainda não é certo, está em uma fase muito embrionária.
Conexão Literatura: Como avalia a questão da leitura no país?
Cândido Luís Vasques: Infelizmente, a minha avaliação é bastante negativa. Na verdade, não é uma questão de avaliação minha, são os fatos. Nosso índice de leitura é péssimo. No PISA, nossos estudantes se saem muito mal. A leitura, em todos os seus níveis, seja para informação, seja para formação, seja para entretenimento, seja para o que for, acaba se tornando um artigo de luxo para uma elite. E eu não digo uma elite financeira, mas uma elite intelectual. Falta “classe média”, digamos assim, em termos de leitura. Por isso que, geralmente, quem prestigia eventos literários, quem sabe o que acontece no mundo da literatura, é quem também escreve. O Brasil sempre foi assim. Nunca fomos um país de leitores, de bons leitores. As causas dessa situação, acredito eu, são várias. Acredito que o nosso sistema de ensino esteja errado de cima a baixo, da cabeça aos pés. Sobrecarregamos os estudantes com uma carga horária estúpida e os treinamos como autômatos, inconscientes, para uma coisa maldita chamada vestibular. O currículo está todo errado. Parece até que literatura (e arte) é um capricho, um complemento, um adorno, e não algo central para o espírito humano. Nossos jovens saem do Ensino Médio sabendo equações de segundo grau, decorando Fórmula de Bhaskara, mas sem um pingo de cultura literária. Pior, saem com nojo dos nossos livros, dos nossos clássicos, pois foram forçados a lê-los e não instigados, não foram conquistados. O professor de Literatura tem que saber “seduzir” o aluno para a sua matéria. Na verdade, todo professor deveria saber fazer isso, fazer com que o aluno se encante… Pois o professor, ao menos teoricamente, um dia se encantou por aquilo que ele ensina. Mas não formamos bem os professores. E o dinheiro público vai todo para o nível superior, que é pessimamente administrado, e deveria ir para a educação básica, de preferência para a educação infantil e para o ensino fundamental. Essa é a minha opinião, não quero ofender ninguém. Mas também há causas culturais e históricas. Eu amo Portugal, amo a cultura portuguesa, a nossa matriz. Porém, em termos de educação, tivemos uma defasagem em relação a outros países, como, por exemplo, os de língua espanhola. Pois aqui, no Brasil, não podia haver universidade. Só fomos ter universidades no século XX, enquanto na América Espanhola já havia universidades desde quando? Do século XVI? São uns 400 anos de diferença! Não tenho esses dados à mão, mas acredito que, seja nas antigas colônias, seja nas antigas metrópoles, se compararmos os países de língua portuguesa aos de língua espanhola, ou de língua inglesa, ou francesa, etc., sempre sairemos perdendo. É algo cultural. Por outro lado, nos dias que correm, com o mundo muito mais rico do que era há 50, há 30 anos atrás, só não lê bons livros quem não quer ou não tem tempo. Tu consegues baixar o melhor que já foi produzido na literatura mundial na internet. Consegues comprar livros do Machado de Assis a cinco reais em um sebo…
Falta tudo, portanto: dinheiro no lugar certo, cultura, currículo… E falta um pouco de vontade das pessoas. Então vai esse meu puxão de orelha.
Mas, concluindo, acho que estamos em uma situação péssima, não consigo vislumbrar uma solução a curto prazo. O que não podemos é desistir. A Casa Brasileira de Livros fará sempre a sua parte.
Conexão Literatura: Quais dicas daria aos autores em início de carreira?
Cândido Luís Vasques: Eu vou ser um pouco duro, mas serei verdadeiro. Acho que há uma dica de ouro para quem quer se firmar como autor, pois as coisas demoram… A dica é esta: esteja preparado para os fracassos. Eles virão. Ponha isso na cabeça o quanto antes. Você não vai escapar. Até mesmo a J. K. Rowling, que hoje vende que nem água, teve que provar o sabor da derrota, do “não”. Por que você não teria? E não fique com raiva das editoras. Isso não vai ajudar, só vai piorar a situação. Há muito autor que se ressente com as editoras, com a situação do país, com o mercado editorial, com Deus e o mundo. Isso não adianta. O que adianta é seguir em frente, persistir, que a sua hora vai chegar. Portanto, não desista. Como dizia Guimarães Rosa, “o que tem de ser tem muita força, tem uma força enorme”!
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Cândido Luís Vasques: Como eu falei, temos algumas ideias de um novo concurso literário e de uma antologia, além de vários livros a serem lançados. Espero conseguir lançar o “Colombo”, de Araújo Porto-Alegre, ainda este ano. Também espero poder lançar a segunda edição de um raro livro do Elomar Figueira Mello, já esgotado, e custando muito caro. Temos um livro da Vera Duarte Pina, uma das maiores escritoras da história de Cabo Verde… Dentre outros projetos. E também temos uma raridade que posso revelar em primeira mão: estamos com um original extremamente raro, escrito à mão, de Henrique Rosa, um poeta português que muito influenciou Fernando Pessoa, mas que nunca foi publicado. Esta é a primeira vez que falo isso. Vamos publicar talvez este ano, ou, se não der, no ano que vem. Henrique Rosa era irmão do padrasto de Fernando Pessoa. O que restou dos seus escritos, está na nossa Casa, muito generosamente cedido por Manuela Nogueira, a sobrinha de Fernando Pessoa. Esperamos que o público goste. Eu não vejo a hora de ver esse material publicado!
Perguntas rápidas:
Um livro: Nidoh Holin, de J. A. Smith
Um ator ou atriz: Tarcísio Meira
Um filme: Meia-Noite em Paris
Um hobby: Caminhar por Rio Pardo
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Cândido Luís Vasques: Meu comentário é: inscrevam-se no Pena de Ouro, acompanhem a nossa Casa, pois estamos sempre realizando alguma coisa interessante. Tenho certeza de que você, que nos lê, vai gostar. E, como sempre digo, estamos recém começando! Quem viver, verá.