Viviane Gouvêa, cientista social e
mestre em ciência política pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,
trabalha como pesquisadora do Arquivo Nacional desde 2006. Em função do seu
trabalho, entrou em contato com uma documentação ampla, pública e privada, registros
da história brasileira em papel, filme, fotos. Em 2020, em plena pandemia,
organizou seus estudos, pesquisas e posicionamentos em um livro que jamais poderia
ser editado no âmbito de uma instituição pública, especialmente sob o governo
da extrema direita. Extermínio: 200 anos de um estado genocida conta um lado
macabro da nossa história que nem sempre é discutido como deveria ser.

Além de pesquisadora e escritora,
Viviane é fotógrafa e sommelier de cerveja por diversão.
 

ENTREVISTA: 

Conexão Literatura: Poderia
contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
 

Viviane Gouvêa: Sempre gostei de ler e escrever, mas nunca tinha me
aventurado na redação de um livro. Mas a exacerbação da violência no governo
Bolsonaro – tanto a privada, incentivada por ele e seus asseclas, com a
oficial, com as polícias de todo o país sentindo-se muito confortáveis com suas
práticas ilegais – me compeliu a contribuir, de alguma forma, com toda a
discussão sobre a violência na sociedade brasileira. Eu já trabalhava há muito
tempo no Arquivo Nacional, no setor de pesquisa e difusão, então eu tinha muito
material e muitas ideias acumuladas, muito a dizer. Chegou a pandemia, uma
tragédia mundial, mas por fim o ficar em casa me permitiu produzir um livro
sobre o assunto. Apresentei a algumas agências e editoras, e acabei me juntado
ao time da agência VBM, através de quem assinei com a editora Planeta.
 

Conexão Literatura: Você é autora
do livro “Extermínio – Duzentos anos de um Estado genocida” (Editora
Planeta). Poderia comentar? 

Viviane GouvêaExtermínio: 200 anos de um Estado genocida conta com
oito capítulos, cada um deles dedicado a alguma atuação específica das nossas
instituições no sentido de fazer uso ilegal do aparato policial e militar para
reprimir demandas e movimentos sociais, em diferentes regiões do Brasil, em
diferentes épocas desde a Independência, contra diferentes grupos. O livro
busca mostrar o quanto essa violência ilegal, sistemática e seletiva – em geral
contra pobres, não-brancos, trabalhadores _ foi fundamental na formação do
nosso Estado e como é crucial, até hoje, para manter os níveis de exclusão e
desigualdade absurdos com os quais convivemos, aliás, únicos em democracias. O
livro se concentra em períodos liberais ou democráticos justamente para mostrar
como os mecanismos de repressão ilegal e seletiva não apenas sobrevivem mas mantêm
sua utilidade fora de períodos de ditadura.

Da cabanagem, nos anos 1830, às chacinas nas favelas
como as de Jacarezinho e Vigário Geral, no Brasil contemporâneo, Extermínio
levanta questões acerca dos reflexos dessa violência oficial nos nossos ódios
cotidianos.

O livro traz documentos de várias origens, em geral produzidos
na época em que ocorreram os eventos narrados, como forma de apresentar a um
público leigo e talvez mais inexperiente em termos de pesquisa o que são fontes
de informação, e o que há por trás dessas fontes: a dor de seres humanos comuns.
 

Conexão Literatura: Como é o seu processo de criação?
Quais são as suas inspirações?
 

Viviane GouvêaQuando eu era adolescente eu li um livro chamado
Brasil Nunca Mais, lançado em 1985. A obra é resultado de um projeto exaustivo
e corajoso, organizado por religiosos de três agremiações
  distintas, uma compilação de casos de tortura
e morte perpetrados pelas autoridades durante o governo militar, casos pesquisados
e documentados, inclusive no próprio Superior Tribunal Militar. Duas coisas me
impressionaram no livro: a violência desmedida de agentes oficiais, e os
registros, a documentação dessas violências, os casos individuais, as tragédias
pessoais. Acho que ter contato com esse tipo de documentação em primeira mão ajuda
a transformar números em pessoas.

Eu tento escrever um pouco como se estivesse
conversando. O livro não é de forma alguma acadêmico, é um livro de
popularização da nossa história, então não tenho compromisso com uma estrutura
rígida que um trabalho acadêmico exigiria. Mas tenho um compromisso com a
verdade possível, e através dos registros encontrados em várias instituições de
guarda (além do Arquivo Nacional, Museu do Índio e Casa Rui são alguns outros
exemplos) busco contar a história que arrasou com a vida de tantas pessoas.
 

Conexão Literatura: Poderia
destacar um trecho do seu livro especialmente para os nossos leitores? 
 

Viviane Gouvêa: Nenhum aparato estatal no mundo funciona sem violência
_ o monopólio do seu uso (legítimo), na verdade, é considerado por muitos um
caráter definidor do Estado. Mas o nível de violência oficial discricionária e
ilegal é historicamente elevado em determinadas regiões do globo, e no Brasil
esse nível não apenas é elevado, mas apoiado por camadas da sociedade que não
se beneficiam dela.

É preciso tirar o chapéu para uma elite mesquinha e
perversa como a nossa (como muitas delas, planeta afora) que conseguiu incendiar
o país várias vezes com o apoio ativo de cidadãos que não tinham como escapar
da fumaça ou das chamas. Foi com frequência prodigiosa que elas (nossas elites
perversas e mesquinhas) convenceram uma maioria ainda mais surpreendente de que
há brasileiros contra os quais toda e qualquer violência é legítima, e deve ser
colocada em prática por agentes do Estado, sem necessidade de respeito pelas
leis criadas por este mesmo Estado.
 

Conexão Literatura: Como o
leitor interessado deverá proceder para adquirir o seu livro e saber um pouco
mais sobre você e o seu trabalho?
 

Viviane Gouvêa: Há links para compra do livro a partir do link da
editora Planeta:
https://www.planetadelivros.com.br/livro-exterminio/359272

A Livraria da Travessa, aqui no Rio de Janeiro, e
outras livrarias Brasil afora estão vendendo em suas lojas físicas.

Para quem se interessar, no Instagram sou @viviane_gouvea_28,
e meu e-mail é vgfoto71@gmail.com
 

Conexão Literatura: Quais dicas daria para os autores
em início de carreira?
 

Viviane Gouvêa: Em primeiro lugar, não há idade para começar. Quinze
ou 80 anos, depende do que temos a dizer.

E mesmo quando achar que o texto está uma bagunça ou
sem sentido, continue escrevendo. Uma hora tudo se encaixa.
 

Conexão Literatura: Existem
novos projetos em pauta?
 

Viviane Gouvêa: Ainda não. Mas venho pensando
cada vez mais em escrever sobre essa era de ódio e mentira em que vivemos,
misturando fato e ficção.
 

Perguntas rápidas: 

Um livro: Ópera dos Mortos, de
Autran Dourado

Um ator ou atriz: Jane Fonda,
diva da geração da minha mãe

Um filme: A eternidade e um
dia, de Angelopoulos

Um hobby: Fotografia

Um dia especial: Aquele em
que nasci
 

Conexão Literatura: Deseja
encerrar com mais algum comentário?
 

Viviane GouvêaO mais óbvio de todos: leiam. Leiam livros,
presenteiem livros, estudem livros. Lê-se muito pouco no Brasil, as pessoas
compram poucos livros aqui. Ler é diversão, aprendizado, poesia. É alimento
para a mente e o espírito, como dizem por aí.

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