Leslie Lothar C. Hein é professor de História. A crítica social foi a principal razão que o levou a carreira de historiador: buscava um conhecimento fundamentado sobre o mundo, elementos que o levasse a explicar as inflexões e meandros do ser humano e seu comportamento social.
É doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Sua pesquisa voltou-se à questão dos imaginários sobre a energia nuclear (“Millennium: o imaginário social da Era Atômica, 1945-1974)”.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Leslie Hein: Como na Filosofia (pelo menos, segundo Aristóteles), o início surge da admiração. É aquilo que nos move independentemente de qualquer materialidade, de qualquer suporte.
Neste sentido, foi na minha infância. Eu queria escrever, por qual motivo seria difícil precisar.
Mas, um início mais concreto estaria nos anos de graduação, quando me aproximei do hai kai. A densidade dos três versos obriga o repensar, descarta a solução óbvia, faz do simples um exercício complexo. Para mim foi um avanço sobre o extraordinário, moldou a minha mente e continua moldando até hoje.
A prosa não foi uma decisão recente, mas tomou vários caminhos: primeiro foram os contos e as crônicas, agora, o romance. Este é o grande desafio, o campo da experimentação.
A escrita talvez seja a procura de uma nova forma para uma primeira visão.
Conexão Literatura: Você é autor do livro “Alice em sonhos”. Poderia comentar?
Leslie Hein: “Alice em Sonhos” é a inversão da Alice de Carroll.
É a percepção Lacaniana que não deixamos de sonhar quando acordamos e que o real está inscrito de forma contundente no onírico.
Assim, por mais que afirmemos que vivemos a realidade, estamos lidando todo o tempo com nossas próprias criações, desejos e fantasias. A própria sociedade humana é uma criação, uma rede de significados a que chamamos inefável, concreto. Muito embora possamos ser punidos por estas nossas criações.
Da mesma forma, no plano das relações interpessoais, mentimos inconscientemente aos outros e a nós mesmos (seja por medo ou orgulho), e moldamos nossas vidas a partir destes mesmos engodos. São as fantasias, as projeções do ego que constroem as narrativas do dia-a-dia. Muitos vivem nessas teias de fantasias.
No livro “Alice em Sonhos”, a personagem principal, Alice, tende a escapar para a fantasia.
Foi o modo pelo qual enfrentou os problemas no passado. Em especial, era, muitas vezes, a solução que encontrava para a relação conturbada com sua mãe (que transferia os problemas com o marido para a filha).
Mas, se na vida de Alice o equilíbrio, mesmo precário, era possível, ele foi rompido quando uma catástrofe ocorreu. O desastre de automóvel que levou à morte do seu querido tio. O impacto foi de tal monta que não se faz sentir somente sobre a sua realidade, mas também sobre o plano onírico, seu ambiente de fuga.
De certa forma, posso afirmar, é uma história de horror.
A perda de controle, a impossibilidade de convivência entre os familiares foram os elementos que levaram à desarticulação e que produziram os monstros dos sonhos, monstros estes que Alice não pôde conter.
O livro é, da mesma forma, um romance policial.
Existe um mistério vital para Alice. Após o desastre, a sua sobrevivência passa a depender da descoberta de quem, entre os amigos e familiares, foi aquele capaz de invadir o seu íntimo e ameaçar a sua existência.
Mas, como em Shakespeare, a comédia nunca está longe.
Seria impossível aproximar-se da escrita de Lewis Carroll sem conduzir-se ao cômico – que perpassa toda a narrativa.
E metaforicamente, como na Física, a história é como uma descida a um buraco negro: é incontornável e irresistível.
Para Alice, a vida tornou-se um vórtex vertiginoso, e lutar contra tal movimento é uma tarefa que somente cabe à ela. Até mesmo porque todos os demais (parentes e amigos) permanecem isolados, envolvidos em suas ansiedades e desejos, seus próprios sonhos.
O romance recebe ao menos uma herança da poesia, a preocupação com o ritmo e a sonoridade. Durante a leitura, você poderá ouvir os passos de Alice e seus companheiros. Ouvirá o seu coração no ritmo pausado da narrativa. Ou a própria melodia dos ambientes pelos quais ela passa, por vezes assustadores.
O livro foi escrito como música.
Conexão Literatura: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?
Leslie Hein: O livro partiu de muitas fontes, há inúmeras referências a outros livros, ao cinema.
A primeira parte, quase totalmente ambientada na casa de uma das tias de Alice durante um festa, é a recuperação da viagem da Alice de Carroll através do País das Maravilhas. O que no livro infantil se deu em sonhos e entre personagens insólitos, se dá na realidade. Assim é porque o mundo desperto, tal como o onírico (ao menos em uma primeira abordagem), é igualmente desprovido de sentido.
Embora possa dizer que a história parta de um conceito, ou de vários conceitos (a incapacidade de compreensão entre as pessoas – mesmo aquelas próximas; o desdobramento do luto em nossas vidas; a forma pela qual os traumas passados interferem em nosso presente), o livro é construído a partir de sensibilidades. Sobre as nuances indefinidas do nosso ser. Sobre o que somos e como sentimos.
Naturalmente, a reflexão impera. Está por todo lado. Inclusive partindo de Alice, que, indecisa como Hamlet, está sempre em diálogo consigo mesma.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do seu livro especialmente para os nossos leitores?
Leslie Hein: O livro tem muitas nuances.
Em dois capítulos, o narrador conversa com Alice, ouve suas razões, tenta consola-la, pergunta por suas decisões. Ali a quarta parede é derrubada.
Em outro capítulo, Alice desafia e é derrotada pelo seu analista e isso revela muito da personagem que é orgulhosa, embora insegura e tímida.
Mas, o trecho que realmente me prende é o diálogo de horrores que Alice tem com a Rainha de Copas. A soberana deixa o seu personagem por alguns momentos e incorpora a sua mãe. É um centro de contradições.
Neste mesmo capítulo, Alice galga as escadarias no átrio central do Bradbury Building em direção à claraboia ao teto.
Ela eleva-se, mas ao mesmo tempo recua no tempo.
Conexão Literatura: Que autores influenciaram o texto?
Leslie Hein: Freud, Lacan e Bion foram guias essenciais no terreno dos sonhos, a história precisou do seu fundamento. O mesmo pode se dizer sobre o real. A pergunta sobre o que queremos dizer ao falar em realidade não é simples. O texto “Em busca do real perdido”, de Alain Badiou, foi imprescindível.
A crítica social foi necessária, recorremos à Escola de Frankfurt, principalmente Walter Benjamin, que também, como ninguém, soube falar dos sonhos que temos acordados.
Mas, a literatura tem a sua própria dimensão.
Thomas Mann é um autor permanentemente referido no meu imaginário do que seja a escrita. Mas, assim também William Shakespeare – talvez mais em imaginação do que de fato. E, não posso deixar de dizer que, não importa onde eu vá, minha edição de “O nome da rosa” sempre está comigo.
No entanto, no terreno entre o real e o imaginário, o grande mestre é Philip K. Dick.
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deve proceder para adquirir o livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
Leslie Hein: “Alice em Sonhos”, pode ser encontrado em três línguas na Amazon em formato Kindle: em Português (https://www.amazon.com.br/dp/B09G9F666X); em Inglês (https://www.amazon.com.br/dp/B0BGJN7Y77); e em Espanhol (https://www.amazon.com.br/dp/B0BL8MWZJC).
Igualmente na Amazon, existem versões que podem ser impressas e enviadas ao leitor.
Conexão Literatura: Quais dicas daria para os autores em início de carreira?
Leslie Hein: Fugir do óbvio, da primeira percepção que tiver do seu objeto. Olhar adiante, procurar encontrar outras formas no que sente.
Naturalmente, o enredo é fundamental. Devemos saber para onde vamos ao iniciar uma viagem.
Mas, esteja atento! Personagens têm vontade própria e podem tomar decisões que ajudem ou atrapalhem a narrativa. Umberto Eco concordaria.
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Leslie Hein: Planejo uma nova narrativa onde os jogos de aparências dominam a cena: uma trama policial em um teatro, onde não se sabe realmente se o crime é real ou fictício.
Perguntas rápidas:
Um livro: “O nome da Rosa”
Um ator ou atriz: Judi Dench
Um filme: Blade Runner
Um hobby: Cinema
Um dia especial: aquele que é presente
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Leslie Hein: “Alice em Sonhos” é um texto repleto de segredos e reentrâncias. Lá está o que poucos de nós realmente consegue perceber ao olhar para o interior, para o passado. É um mergulho na alma humana.
De certa forma, é um espelho e, como tal, pode refleti-lo. Talvez o leitor corra o risco de se reconhecer entre as páginas do livro.
Tomou tempo e exigiu coragem para escrevê-lo.
Paulista, escritor e ativista cultural, casado com a publicitária Elenir Alves e pai de dois meninos. Editor da Revista Conexão Literatura (https://www.revistaconexaoliteratura.com.br) e colunista da Revista Projeto AutoEstima (http://www.revistaprojetoautoestima.com.br). Fã de Edgar Allan Poe. Chanceler na Academia Brasileira de Escritores (Abresc). Associado da CBL (Câmara Brasileira do Livro). Participou em mais de 100 livros, tendo contos publicados no Brasil, México, China, Portugal e França. Publicou ao lado de Pedro Bandeira no livro “Nouvelles du Brésil” (França), com xilogravuras de José Costa Leite. Organizador do livro “Possessão Alienígena” (Editora Devir) e “Time Out – Os Viajantes do Tempo” (Editora Estronho). Fã n° 1 de Edgar Allan Poe, adora pizza, séries televisivas e HQs. Autor dos romances “Jornal em São Camilo da Maré” e “O Clube de Leitura de Edgar Allan Poe”. Entre a organização de suas antologias, estão os títulos “O Legado De Edgar Allan Poe”, “Histórias Para Ler e Morrer de Medo” e outros. Escreveu a introdução do livro “Bloody Mary – Lendas Inglesas” (Ed. Dark Books). Contato: ademirpascale@gmail.com
© Copyright 2023 - Revista Conexão Literatura®