Carlos Marques Magalhães é biólogo, mestre e doutor em biologia e professor
aposentado da UFPR. Também é graduado em artes visuais (gravura) e tem
especialização (PG lato senso) em psicologia. Na universidade atuou em genética,
filosofia da biologia, ensino e divulgação científica. Sua formação eclética,
um problema na vida acadêmica, é fonte de inspiração para a escrita de ficção
científica, principal atividade a que se dedica atualmente.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia
contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
J.
Magalhães: Minha
primeira e mais importante influência foi meu pai, Leonel Magalhães, que criou
os filhos, eu e meus irmãos, em meio a livros, discos e alguma coisa de artes
visuais. O interesse pela cultura nos acompanha desde então. Como biólogo e
professor universitário, escrevi e publiquei textos técnicos e didáticos, mas
também trabalhos de divulgação científica. Nestes últimos, me senti mais solto
e a partir daí, passei a me aventurar na literatura de ficção, alguma coisa que
vinha amadurecendo por dentro e que eu tinha de pôr para fora. Aconteceu naturalmente,
de modo selvagem, isto é não tenho formação regular na área, só paixão mesmo.
Conexão Literatura: Você é autor
do livro “Ponto de apoio e outros contos”. Poderia comentar?
J.
Magalhães: estes escritos foram selecionados e aprimorados a partir de esboços
que eu vinha escrevendo ao longo de muitos anos, antes de pensar em publicar.
Procurei separar alguns contos visando um mínimo de unidade temática, isto é, escolhi
histórias de ficção científica, fantasia e aventura. O diferencial delas é que abordam
questões, como os limites do conhecimento, a dificuldade da comunicação, o
confronto do indivíduo com as instituições, o encontro e o desencontro com os demais,
a existência e a finitude, o mistério enfim, coisas não facilmente abordadas
pelo discurso relativamente rígido da ciência. Mas o objetivo jamais foi fazer
da ficção, ciência ou filosofia. Escrevi por necessidade interior e pelo prazer
de ouvir e contar histórias, prazer que gostaria de transmitir aos leitores por
intermédio da escrita. Por essa razão, concentrei-me nas estruturas gerais do
livro e de cada conto, revendo e reescrevendo até chegar a algo que eu próprio
gostaria de ler. Mas se reler tudo novamente, certamente vou encontrar defeitos
e vou querer introduzir novas modificações. J. L. Borges disse uma vez que
publicava seus escritos porque se cansava de reescrevê-los. Se com o mestre era
assim, imagine conosco.
Conexão
Literatura: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?
J.
Magalhães: Não
tenho um processo regular e previamente definido, mas geralmente acordo ou sou
assaltado por uma ideia e se não durmo novamente ou não me distraio, anoto
alguma coisa. Depois vou ao computador (bendito computador!) e tento dar forma
à ideia original, mas é impossível. Novas ideias vão abrindo caminho, combinando
e recombinando com as anteriores, o acaso interfere, tudo vai se modificando e,
por incrível que pareça, a coisa vai ficando mais coerente à medida que escrevo.
Também posso escrever conforme demandas externas. Por exemplo, recentemente tive
um conto selecionado para compor uma antologia sobre a Independência do Brasil,
em um concurso temático promovido pelo Centro de Estudos Brasileiros da
Universidade de Salamanca, Espanha. A vivência pessoal é a base de tudo. Coisas
que experimentei ou ouvi no convívio com familiares, amores e amigos também influem,
embora indiretamente. É o sentimento que conta. Às vezes eu me emociono
escrevendo. Mas nada aconteceria se não fosse o que li e continuo lendo. De
certa forma, a atividade do escritor parece ser uma tentativa de diálogo com os
autores que lê. No meu caso, destaco os antigos dramaturgos gregos, os
realistas franceses e russos, chegando ao realismo mágico da América Latina.
Também tive influência da ficção científica, aventura e fantasia. Tudo isto sem
deixar de lado a cultura popular, gibis e cinema, entre outras coisas, desde
que tenham qualidade, que estejam além do lugar comum e ideologia. Lendo
criticamente, mas sem preconceito, até em obras desprezadas podemos encontrar passagens
que brilham como verdadeiras joias.
Conexão Literatura: Poderia destacar
um trecho do seu livro especialmente para os nossos leitores?
J.
Magalhães: Segue
um trecho do conto “Paralelismos”:
Alguns dias após tio Jô, ou o que for, apareceu novamente.
Lembro exatamente como foi, ponto por ponto.
Estava de folga, então fui dar uma volta no parque. Sempre
gostei de pensar no ar livre. Ele veio em minha direção com seu sorriso
habitual e desta vez nos abraçamos de verdade. É estranho pois tio Joachin está
morto faz cerca de quatro anos. Evidentemente ele não se sentia morto.
— Que coisa estranha a gente se encontrar assim – ele falou,
me perguntou sobre mamãe e contou da Alemanha onde, supostamente, vive. Eu
pensei “vive?” Parece que ele parou no tempo. Achou estranho eu parecer mais
velho.
— Parece que estamos em uma encruzilhada, ele repetiu a
mesma frase do encontro anterior.
Respondi com a mesma pergunta de antes:
— Como assim?
— Você continua interessado em física?
— Sim, vou para o quarto ano da faculdade.
— Não sei se estou sonhando ou se você é só fruto de minha
imaginação, mas parece que estamos em algum cruzamento incomum do espaço-tempo
– pensou um pouco e concluiu. – Não acho que estou louco ou que você esteja.
Nem sei ao certo onde você está.
Eu me distraí da conversa pois uma vizinha, a D. Graziella,
vinha caminhando em sentido contrário. A irritação da conversa interrompida deu
lugar à curiosidade logo satisfeita. Ela parou para me cumprimentar e
cumprimentou também ao tio Jô, que respondeu apenas com um aceno de cabeça,
pois não tinham sido devidamente apresentados. Mas ela o viu! O tio Jô não foi
só alucinação, a não ser que algumas alucinações possam ser partilhadas. Uma
dúvida me assaltou e pensei: “E se a realidade não passar de uma alucinação
compartilhada?” Tio Jô riu-se:
— Acho que você começa a aprender a duvidar do senso comum.
Isto é bom, pode ser o passaporte para um entendimento aprofundado.
Conexão Literatura: Como o
leitor interessado deverá proceder para adquirir o seu livro e saber um pouco
mais sobre você e o seu trabalho literário?
J.
Magalhães: Os
interessados podem consultar a página “ponto de apoio” no facebook: @ponto.d.apoio
No
Instagram podem procurar em: ponto.d.apoio
O
livro impresso pode ser adquirido no site da editora Viseu, no endereço:
https://www.editoraviseu.com.br/lancamentos/ponto-de-apoio-e-outros-contos-prod.html
A
versão digital na Amazon, no endereço: www.amazon.com.br
Conexão
Literatura: Quais dicas daria para os autores em início de carreira?
J.
Magalhães: esta questão é difícil porque, mesmo com bastante idade, sou apenas
mais um iniciante. Mas escreva por necessidade interior. Bukowski disse “se não
sai de ti a explodir apesar de tudo, não o faças”. Não importa se virá dinheiro
ou alguma fama, isto seria como ganhar na loteria, escreva para você mesmo, seu
eu profundo, mas pense nos amigos, nos possíveis leitores. Se você é jovem e deseja
mesmo escrever, viver disto, o ideal é que estude literatura. Leia muito, leia
da tudo, especialmente os clássicos e os melhores contemporâneos. Estude teoria
literária. Aprenda com os melhores professores, as boas universidades estão aí
para isto mesmo. Se não tiver essa visão ou oportunidade, preze ainda mais a
intuição.
Conexão Literatura: Existem
novos projetos em pauta?
J.
Magalhães: sim, pretendo organizar, selecionar, reescrever e publicar alguns contos
ainda não publicados. Além disto pretendo escrever um ensaio envolvendo
biologia e arte. Já tenho o esboço, foi o TCC de um curso de artes visuais que
conclui em 2015.
Perguntas rápidas:
Um livro: D. Quixote.
Um ator ou atriz: Leonardo
Vilar
Um filme: Blade Runner (1982)
Um hobby: Gravura em metal
Um dia especial: o dia de meu
desaniversário
Conexão Literatura: Deseja encerrar
com mais algum comentário?
J.
Magalhães: não me leve muito a sério, mas divirta-se com o que escrevo