Cris Torres – Foto divulgação |
Fale-nos sobre você.
Sou Cris Torres, paulistana, professora, mãe de Nina, Che, Frida, Lory e Mel, meus amores peludos. Pesquiso a obra de Clarice Lispector há alguns anos, fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado tendo sempre como inspiração a obra da Clarice. Toda a vida estive em contato com a literatura e a leitura – desde as primeiras histórias orais contadas por minhas avós e minha mãe, até o contato com a leitura de clássicos, ainda menina. Eu acho que soube, desde sempre que de alguma forma o universo da palavra e, por extensão, da criação ficcional, estava ligado a mim como uma espécie de força orgânica, vital. É isso que me move, me salva, me ajuda a viver.
ENTREVISTA:
Fale-nos sobre o livro. O que motivou a escrevê-lo?
Este livro Uma ideia de prosa para Clarice Lispector: Ensaio. Bordas. Testemunho. é fruto de minha pesquisa de doutorado em Literatura Brasileira que fiz na USP, a respeito da obra de Clarice Lispector. Eu defendi o doutorado em 2014 e segui a vida dando aula e fazendo pesquisa, sem pensar sobre uma publicação. Mas em 2020, quando veio a pandemia, resolvi me dedicar à releitura do texto e arriscar uma versão para o formato livro, propus para a Benjamin Editorial e deu supercerto – publicamos no ano passado – o livro teve uma edição muito bonita e bem cuidada. A leitura que proponho tem como texto central de análise A hora da estrela, mas, antes de chegar a ele – que é investigado no terceiro capítulo – eu proponho uma espécie de passeio crítico por meio do método ensaístico que defendo estar presente na poética de Clarice – daí que no primeiro capítulo trago o diálogo entre a poética de Clarice e o registro do ensaísmo de linhagem montaigneana, no segundo capítulo trago o que nomeio de escritas de borda – que são os paratextos, como dedicatórias, epígrafes, notas, subtítulos, enfim, textos que antecedem o texto nomeado como central e que acabam sublinhando também a presença do registro meditativo e crítico da linhagem ensaística. Toda a investigação deságua então no terceiro capítulo que verticaliza a leitura sobre A hora da estrela. Por meio do jogo de projeção autoral Clarice/Rodrigo, condutor do gesto meditativo, crítico e ensaístico temos uma narrativa em tom testemunhal e Macabéa, dobra dessa projeção autoral, emerge entoando um canto quase anafórico, mas que tece, com sua voz marginal, o tom mais agudo e central do texto clariciano. Esta é, de fato, uma obra que nos move e comove muitíssimo.
Você tem outro livro, certo? Fale-nos sobre ele.
Sim, publiquei também em 2021. Chama-se Posso tocar seus olhos? Saiu primeiro pela editora Urutau, mas estou negociando agora o relançamento com outra editora. É um livro que precisei escrever para não morrer. Foi meu modo de sobreviver a uma profunda depressão somada a várias e largas crises de pânico. Um dia, notei que não estava aguentando mais aquele modo de vida – que se resumia a viver dentro de minha casa, sobretudo de meu quarto, sem conseguir olhar o mundo lá fora e experimentando um sofrimento psíquico que trazia sintomas físicos avassaladores como crises de paralisia nas pernas, incapacidade de comunicação, apatia, muitas tonturas, e outras coisas. Eu, que sempre escrevi – desde menina tive muitos cadernos de escrita- em uma tarde percebi que a escrita estava ali, à minha espera e talvez pudesse ser meu caminho de cura, pois terapias, remédios, médicos, nada mais estava adiantando. Então eu comecei a escrever. Em dois ou três meses o texto estava todo derramado e esse processo acabou dando forma, nome e estrutura a tudo o que em mim havia se dissolvido e desorganizado. E, curiosamente, a narrativa se dá a partir da arquitetônica familiar. Assim fui me organizando de novo e me salvando. A escrita me salvou. A literatura me trouxe de volta à vida.
Como analisa a questão da leitura no país?
O Brasil tem um sério problema de letramento – literário e de mundo. O jovem chega ao ensino médio com inúmeras dificuldades de interpretação, leitura e compreensão textual. Sem falar na assimilação de conceitos e sua elaboração para um processo de escrita e argumentação. Mas penso que não podemos desistir, temos que seguir com a certeza de que é possível mudar este cenário terrível. Fazer projetos sociais, trazer os livros para perto dos jovens, continuar organizando saraus, clubes de leitura, formando professores e mediadores de leitura, abrindo as universidades para todos, capacitar cada vez mais os professores. Além, claro, e talvez em primeiro lugar, jamais esquecer que o jovem está disponível para aprender – é só o professor acreditar, acolher e fazer a diferença. Eu sinceramente acredito nisso.
O que tem lido ultimamente?
Como acabei de finalizar meu pós-doutorado pelo Instituto de Psicologia da USP, fiquei dois anos mergulhada nas leituras mais próximas às áreas da psicanálise e da filosofia da linguagem, além da releitura de boa parte da obra de Clarice. Mas estou retomando aos poucos as leituras de autores que amo, como Drummond, Guimarães, Hilda Hilst e outros autores mais contemporâneos, que tenho descoberto por meio de novas temáticas de pesquisa, inclusive. Olha aí como a pesquisa sempre vai abrindo campos de relação! Tenho lido alguns textos da escritora portuguesa Grada Kilomba e do nosso indispensável antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Além daquilo que for aparecendo pelo afeto e pela curiosidade.
Uma pergunta que não fizemos e que gostaria de responder.
Vou te devolver com outra pergunta – talvez seja mais uma sugestão para quem nos estiver lendo. Que tal fazer um café, um chá, convidar os amigos e compartilhar leituras? É um exercício de troca maravilhoso! Obrigada pela entrevista. Abraços pra todos.
Link para o livro: http://benjamineditorial.com.br/umaideia.html
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020), Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021) e O quarto número 2 (Editora Uirapuru, 2021). Organizadora dos livros Uma noite no castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020), Um fantasma ronda o campus (Editora Verlidelas, 2020), O medo que nos envolve (Editora Verlidelas, 2021) e Queimem as bruxas: contos sobre intolerância (Editora Verlidelas, 2021). Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de Letras, 2020) e seu mais novo livro juvenil se denomina O quarto número 2 (Editora Uirapuru, 2021).