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Elvio Nei Figur nasceu em Marechal Cândido Rondon, Paraná, em 1983. Formou-se em Teologia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA, 2004) e pelo Seminário Concórdia (2006). Já escreveu e publicou “E Conhecereis a Verdade” e “A Verdade os libertará!?” que são frutos, respectivamente, de dissertação de mestrado (2017) e tese e doutorado (2023) em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora-MG (UFJF). Escritor por força do ofício e por hobby, estreia na literatura não acadêmica com um texto que protesta contra o gênero literário em que está inserido. ‘Na Trilha Sob o Sol’ é um convite para seguirmos as pegadas do Qoheleth, autor de Eclesiastes, que é, talvez, o mais antigo livro de [anti]autoajuda.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Elvio Nei Figur: Depois que aprendi a ler, um dos meus lugares favoritos na escola era a biblioteca. Ainda nas séries iniciais lembro de ter lido vários livros do Monteiro Lobato como “Caçadas de Pedrinho”, “Reinações de Narizinho” e “O Minotauro”. As histórias envolventes me encantavam. Depois da quinta série li todos os livros da “Coleção Vagalume” que havia na biblioteca escolar — e não eram poucos. Isso fez brotar em mim o desejo de um dia também escrever. Já na universidade, me encantei por leituras filosóficas e que tratavam de temas relacionados à vida e à religiosidade. Os livros “E Conhecereis a Verdade” e “A Verdade os Libertará!?” são frutos, respectivamente, de dissertação de mestrado e tese de doutorado. Dialogando sociologia, teologia e filosofia, esses textos debatem questões fundamentais como a compreensão da “verdade religiosa” [paráfrase da fé] e a comunicação dessa verdade na religião institucionalizada. O convívio e as experiências com as letras despertaram em mim o desejo de escrever algo voltado para um público mais amplo. E foi assim que nasceu “Na Trilha Sob o Sol”.
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Conexão Literatura: Você é autor do livro “Na Trilha Sob o Sol”, poderia comentar?
Elvio Nei Figur: “Na Trilha Sob o Sol: por uma vida que vale a pena viver” é um diálogo, uma caminhada descontraída com o leitor, enquanto explora alguns dos temas mais fundamentais da “vida vivida” — a vida real com seus altos e baixos, suas dores e alegrias. O livro toma o pensamento do Qoheleth — codinome de Salomão, rei de Israel entre 970 a.C. e 931 a.C. — como uma ‘bússola’ para esse diálogo. Um dos propósito é atentar para o fato de que esse pensador da vida, o Qoheleth — contemporâneo de muitos filósofos da antiguidade —, já debatia temas filosóficos e existenciais que continuam muito relevantes ainda hoje.
As “pegadas” deixadas pelo Qoheleth, e que são exploradas em “Na Trilha Sob o Sol”, revelam experiências, decepções, ilusões de ótica — miragens — que lançam o leitor de corpo e alma numa reflexão profunda e existencial. Como, por exemplo, quando o Qoheleth revela as diversas vezes em que teve a mesma sensação descrita na canção ‘Time’ do Pink Floyd:
“[…] E você corre e corre para alcançar o Sol.
Mas ele está se pondo,
dando a volta até ressurgir atrás de você.
O Sol, de certa forma, é o mesmo.
Mas você está mais velho, mais ofegante
e um dia mais próximo de seu fim.”
“- Tudo é ilusão” — afirma o Qoheleth. “Não há nada de novo sob o Sol”.
Assim, “Na Trilha Sob o Sol: por uma vida que vale a pena viver” investiga as reações do sábio orador às respostas e às tentativas de construção de sentido último para a vida que emanam das alternativas encontradas em seu mundo. Sempre que alguma dessas alternativas se revela ilusória, ele se sente inquieto. Este é, precisamente, o problema do Qohelet: quando busca os prazeres sem limites, ele se frustra; quando se abstém dos prazeres em detrimento de outras alternativas, se angustia; ao se debruçar sobre a sabedoria racional, sofre por saber muito; no momento em que consegue acumular riquezas e prestígio, sente-se incompleto por não encontrar satisfação com o que tem. A vida, para valer a pena mesmo, parece exigir dele o encontro de uma razão maior, um princípio ou um sentido último pelo qual possa viver e/ou morrer.
“Na Trilha Sob o Sol” é um ensaio — não é um livro de receitas prontas. É, isso sim, um convite para a reflexão filosófica e existencial, honesta e sincera, para todos aqueles que, como eu, já correram e correram para alcançar o Sol sem se darem conta de que ele estava se pondo, dando a volta, até ressurgir atrás de si.
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Conexão Literatura: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?
Elvio Nei Figur: Uma das coisas que faço é anotar as ideias sempre que elas surgem ou quando me deparo com boas reflexões em minhas leituras, observações da natureza, da sociedade etc. À medida que novas ideias relacionadas vão surgindo, vou tomando nota e separando-as por assuntos, até que um dos temas gerais forme um pequeno esboço. Vou ampliando esse esboço até perceber: “Bom, isso aqui já daria um artigo, uma reflexão ou talvez um livro.”
Minhas inspirações, como já deve ter ficado evidente, são a filosofia e os temas relacionados à vida. Destaco Kierkegaard como um grande mestre para mim. Além dele, outros escritores nacionais, como Clóvis de Barros Filho e a professora Lúcia Helena Galvão, estão entre os autores contemporâneos que prezo bastante.
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho de um dos seus livros especialmente para os nossos leitores?
Elvio Nei Figur: Claro. Este é um trecho do livro “Na Trilha Sob o Sol”, no primeiro capítulo intitulado ‘Vida Harmonizada’:
“[…] o universo seria, para estes pensadores gregos, um todo harmonioso como cada instrumento em uma orquestra. Cada coisa com seu lugar próprio e harmônico.
— Mas espere aí — você me interrompe pela primeira vez. — E o ser humano? Também está onde deveria estar? Ele também tem um lugar único a que deve se ajustar nesse todo universal?
Bem, a resposta de Homero a essa sua questão é Positiva. […] Para a filosofia dos antigos gregos […] cada um tem o seu lugar ao Sol — o lugar que lhe é natural. Bastaria, portanto, que cada indivíduo descobrisse qual é esse seu lugar e a vida valeria a pena. […] a grande busca dos estoicos era justamente pela harmonização do homem ao todo universal.
Aliás, até mesmo o conceito platônico de justiça dialoga com essa ideia. Platão buscava a ordem como um elemento fundamental para que cada pessoa pudesse realizar sua identidade e justiça.
— E não é que eles parecem mesmo ter razão? Mas é aí, na busca pela harmonização ou da ordem, que surgem nossos maiores problemas. Não é?
[…] Pense em uma criança que é, desde cedo, orientada por seus pais ou responsáveis de que, se ela quer “ser alguém na vida”, precisa, sem reclamar, manter sua frequência e suas notas escolares “em dia”. […] precisa também, no contraturno, frequentar aulas de inglês australiano, balé, piano clássico e judô — enquanto os pais ainda tentam se ajustar ao todo universal. […]
— Ufa!
Já adolescente, esse mesmo indivíduo é informado de que aquilo tudo não foi suficiente. Para ter uma vida harmonizada ao universo que o cerca, agora ele precisa descolar uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ou num vestibular. Mas não qualquer vestibular, há que ser em uma universidade bem conceituada. Universidade pública, de preferência, pois é lá que estão os professores “mais bem ajustados” — estáveis funcionários do governo.
— Há! Há! Há!
Doze semanas após o início do primeiro semestre, lá está o jovem. Não vê a hora da formatura. Felicidade? A prometida vida que vale a pena? Vida harmonizada? Só depois de formado […].
“Você precisa se casar” — alguém lhe afirma — “aí sim a felicidade virá!”. E todo o processo se repete. Infinitamente. Alteram-se os objetivos, os contextos, as metas e os desejos, mas o vazio permanece. Tudo se resume na mesma experiência do Qoheleth: “O que aconteceu antes vai acontecer outra vez. O que foi feito antes será feito novamente” (1, 9a NTLH); “não há nada de novo debaixo do sol” (1, 9 NAA).
— Acho que estou entendendo — o leitor interrompe. […] A gente ‘corre e corre para alcançar o Sol’ mas ele prega peças na gente. Ele ‘dá a volta até ressurgir atrás de nós’ na maior indiferença quanto ao nosso existir. […].”
(FIGUR, Elvio Nei. Na Trilha Sob o Sol. Maringá: Viseu, 2024, pp. 16-21)
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deve proceder para adquirir os seus livros e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
Elvio Nei Figur: O livro “E Conhecereis a Verdade” está disponível gratuitamente em formato e-book no site da Editora Fi: https://www.editorafi.org/172elvio.
O livro “A Verdade os Libertará!?” também pode ser baixado gratuitamente no site da Editora UFJF: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/17831?locale=pt_BR.
Já o livro “Na Trilha Sob o Sol: por uma vida que vale a pena viver” está disponível, nas versões impressa e e-book, nas principais livrarias online, como Amazon, Americanas, Magazine Luiza, Apple Books, Google Play, Kobo, Toca Livros, Martins Fontes Paulista, entre outras.
Mais informações sobre este livro também podem ser encontradas na página oficial do livro: https://natrilha.netlify.app/.
Conexão Literatura: Como você analisa a questão da leitura no Brasil?
Elvio Nei Figur: Estamos diante de desafios significativos. Pesquisas têm demonstrado que mais da metade dos brasileiros não têm o hábito de ler regularmente. E há muitas coisas que podem estar contribuindo para essa triste realidade. Uma delas é a educação, que, desde sempre, enfrenta dificuldades com a falta de recursos, bibliotecas desatualizadas e muitos professores que não conseguem despertar nos alunos o gosto pela leitura, seja por despreparo, desvalorização ou coisas do tipo.
O acesso aos livros está muito mais fácil do que no passado. Com a internet e o celular, ler passou a ser, do meu ponto de vista, mais uma questão de ‘criar gosto’, ou o hábito e uma pitada generosa de “força de vontade”. Mas para isso é preciso o estímulo correto e direcionado. Os grandes clássicos da literatura mundial estão acessíveis na palma da mão. Muitos deles gratuitamente ou por preços muito acessíveis. Falta, ao meu ver, o hábito, o gosto, o incentivo cultural – ou, se preferirem, um bom ‘marketing’.
O livro “Na Trilha Sob o Sol”, de alguma forma, tenta estimular essa busca, esse hábito e/ou gosto pela literatura. E faz isso dialogando temas de interesse resgatando diferentes autores de diferentes épocas, mas que são sempre instigantes para aqueles que, “na trilha sob o Sol”, anseiam “por uma vida que vale a pena viver”. A literatura sempre foi e continuará sendo — para usar uma expressão de Saulo de Tarso que fala do “amor” — “um caminho sobremodo excelente” nessa busca.
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Elvio Nei Figur: Sim, tenho algumas ideias em mente. Mas ainda é cedo para revelar qualquer projeto.
Perguntas rápidas:
Um livro: ‘A sabedoria dos mitos Gregos’ de Luc Ferry, dos últimos que li.
Um ator ou atriz: Rowan S. Atkinson, imbatível.
Um filme: ‘A Festa de Babette’, baseado em um conto de Karen Blixen.
Um hobby: Conhecer novos lugares.
Um dia especial: 11 de janeiro, meu aniversário.
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Elvio Nei Figur: Aproveito para dedicar meu livro “Na Trilha Sob o Sol” a todos aqueles que, como eu e tantos outros por aí, já “correram e correram para alcançar o Sol” sem se darem conta de que “ele estava se pondo, dando a volta, até ressurgir atrás de si”. Enfim, dedico a todos aqueles que já desconfiaram que a vida, “para valer a pena mesmo”, parece mesmo exigir uma “razão maior”, um princípio ou “sentido último pelo qual se vive e/ou se morre”.
Acredito que o Qohelet, o mais antigo autor de “[anti]autoajuda” que conheço, pode nos ajudar a refletir sobre isso. Bora?!
Paulista, escritor e ativista cultural, casado com a publicitária Elenir Alves e pai de dois meninos. Criador e Editor da Revista Conexão Literatura (https://www.revistaconexaoliteratura.com.br) e colunista da Revista Projeto AutoEstima (http://www.revistaprojetoautoestima.com.br). Chanceler na Academia Brasileira de Escritores (Abresc). Associado da CBL (Câmara Brasileira do Livro). Já foi Educador Social e também trabalhou por 18 anos no setor de Inclusão Digital na Cidade de S. Paulo, numa rede de solidariedade que desenvolve ações de promoção da vida em várias partes do país e do mundo, um trabalho desenvolvido para pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social. Participou em mais de 100 livros, tendo contos publicados no Brasil, México, China, Portugal e França. Publicou ao lado de Pedro Bandeira no livro “Nouvelles du Brésil” (França), com xilogravuras de José Costa Leite. Organizador do livro “Possessão Alienígena” (Editora Devir) e “Time Out – Os Viajantes do Tempo” (Editora Estronho). Fã n° 1 de Edgar Allan Poe, adora pizza, séries televisivas e HQs. Autor dos romances “Jornal em São Camilo da Maré” e “O Clube de Leitura de Edgar Allan Poe”. Entre a organização de suas antologias, estão os títulos “O Legado de Edgar Allan Poe”, “Histórias Para Ler e Morrer de Medo”, “Contos e Poemas Assombrosos” e outras. Escreveu a introdução do livro “Bloody Mary – Lendas Inglesas” (Ed. Dark Books). Contato: ademirpascale@gmail.com