Cássio Giorgetti é paulistano, sociólogo formado pela PUC-SP. Esteve muito tempo entre os moradores de rua de São Paulo. Nas periferias da Zona Sul de São Paulo, foram anos de participação ativa no desenvolvimento de projetos e apoio às lideranças comunitárias. Como professor, teve oportunidade de dividir salas de aula com alunos e alunas do curso de Enfermagem da Universidade São Marcos, Serviço Social da Universidade de Franca e com adolescentes apreendidos na unidade Guaianazes II da Fundação CASA. Atualmente, faz pesquisa e produção para filmes documentais. É autor de seis livros de crônicas e obras de não ficção.

ENTREVISTA:

Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?

Cassio Giorgetti: Quem escreve ou deseja escrever precisa ler. Não há outro caminho. Então comecei por aí, desde cedo, com o incentivo de meus pais. Primeiro, ainda durante a infância, as histórias em quadrinhos criadas por Quino e Maurício de Souza; depois os livros de Maria José Dupré, Stanislaw Ponte Preta e, um pouco mais adiante, Fernando Sabino, Graciliano, Salinger. E a gente vai se acostumando ao hábito da leitura, dando a ele, gradativamente, papel cada vez mais importante entre as atividades do dia a dia, até chegar em Cervantes, Victor Hugo e os grandes da literatura mundial. Mas gosto de pensar que leitura não é uma competição de velocidade. Mais vale, ao longo de um ano, ler um único livro do qual se usufrua cada parágrafo com a necessária atenção e tranquilidade, do que ler dez e, ao concluí-los, não ter conseguido assimilar e menos ainda refletir profundamente sobre o que se leu. Decidi arriscar a escrever já com 35 anos, ao registrar as primeiras experiências do meu convívio com moradores de rua, à época, enquanto servidor público da prefeitura de São Paulo. “O outro lado da noite”, título do livro que carrega esses relatos, saiu pela Editora Página Viva, em 2009.

Conexão Literatura: Você é autor do livro “Memórias de um soldado burguês”. Poderia comentar?

Cassio Giorgetti: Eu escrevo sobre fatos, apesar do meu gosto por ficção. Me referencio sempre na realidade e, sobretudo, nas experiências que vivenciei ao longo da vida. Dela, “Memórias de um soldado burguês” narra um breve período em que fui soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo, no início dos anos 2000. Adianto que não é um livro de ação ou de aventuras, tiroteios e perseguições, como talvez o título possa sugerir. Longe disso. As memórias apresentadas falam de um jovem no início da vida adulta, indeciso quanto ao futuro, nascido numa família de classe média alta formada por artistas e intelectuais e que, ávido pela oportunidade de se envolver em alguma causa importante, resolve ingressar na Polícia Militar imbuído da certeza de que poderia contribuir para torná-la uma instituição melhor. Os conflitos familiares desencadeados por essa decisão tomam proporções dramáticas e servem de pano de fundo ao longo da narrativa. Paralelamente, ao destacar o que se observou na condição de soldado e profissional de segurança pública, os relatos pretendem desvendar um perfil de policial militar que é desconhecido à maioria das pessoas. Trata-se da antítese do “soldado herói”, que comumente é visto nas telas, musculoso, intrépido, armado até os dentes, e que angariou crescente popularidade após o sucesso arrebatador do filme “Tropa de Elite”, lançado anos atrás pelo diretor José Padilha. O soldado anônimo, aquele policial já grisalho, às vezes meio fora de forma e que pouco é notado enquanto permanece horas estático em alguma esquina ou zanzando entre as pessoas que se aglomeram nos centros comerciais, representa a grande maioria dos oitenta mil homens e mulheres que formam a Polícia Militar do Estado de São Paulo. Cidadãos que caminham, no que diz respeito à sua origem social, muito proximamente ao criminoso a quem deve combater. Moram na periferia, precisam fazer bicos para sobreviver e lidam, diariamente, com as opressões e contradições escancaradas no modelo militar ainda vigente dentro das políticas de segurança pública. Enfim, eis um breve resumo.

Conexão Literatura: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?

Cassio Giorgetti: Acredito que o processo de criação para um autor de obras de ficção seja muito mais complexo e desafiador em comparação a autores de Não Ficção, que é o meu caso. Eu não preciso criar uma história ou um personagem, porque eles já existem. Já os conheço, suas características, formas, trejeitos, o que tenho que fazer é pensar na melhor forma de descrevê-los. Claro que o estilo conta nesse sentido também. Com relação ao estilo, obtive muita inspiração de caras como Gay Talese e Joseph Mitchel, mestres do jornalismo literário. Gosto muito da crônica do Fernando Morais também e de escritores que mesclam ficção e realidade em suas obras como Bioy Casares, Leonardo Padura e o nosso Milton Hatoum.

Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do seu livro especialmente para os nossos leitores

Cassio Giorgetti:  “O aspirante estava tão faminto que se atirou pela escada em direção ao salão superior, no qual ficava o restaurante. Jantei em menos de dez minutos e corri de volta à garagem com a intenção de convencer meu colega a se alimentar, tínhamos toda a madrugada ainda pela frente e fazia um frio tremendo. Eu o substituiria na escuta dos informes. Mas quando cheguei perto da viatura, camuflada na penumbra, não consegui vê-lo dentro da cabine. Do lado de fora, nem sinal dele também. Alguns passos adiante e só então notei, pela janela aberta, um tronco encurvado, a cabeça afundada entre os braços, que se agarravam ao volante como uma tábua de salvação. Num primeiro momento, achei que a fadiga o derrubara, em decorrência da dupla jornada que cumpria como segurança na pizzaria. Não estava dormindo, mas entregue a um choro convulsivo, dolorido, que vinha entre espasmos e roncos; o esforço para tragar o ar produzia um chiado agudo no meio do peito. Tão logo me viu ali parado ele quis se recompor, nervosamente, esfregando o rosto com as palmas das mãos e se endireitando no assento.”

Conexão Literatura: Como o leitor interessado deve proceder para adquirir o livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?

Cassio Giorgetti:  O livro está disponível na loja virtual da Editora Versiprosa : Memórias de um soldado burguês – Editora Versiprosa. Também é possível comprar pelos sites da Amazon e Estante Virtual.

Conexão Literatura: Quais dicas daria para os autores em início de carreira?

Cassio Giorgetti: Não abdicar da leitura, principalmente, em nenhum momento. Mesmo quando estiver engajado na elaboração de algum texto importante, continue lendo. Depois, quanto a escrever, como quase tudo, é prática. Escrever um e-mail pode ser um bom exercício de literatura, desde que se escreva com zelo e sem a pressa frenética e abduzida que acomete as pessoas nos dias de hoje.

Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?

Cassio Giorgetti: Existe a perspectiva de novos projetos. Desejo escrever sobre minha convivência com jovens em cumprimento de medida socioeducativa na Unidade Guaianazes II, da Fundação Casa, ocorrida no ano de 2019, enquanto professor do Serviço Nacional de Aprendizagem Social (SENAC). Quem sabe em breve.

Perguntas rápidas:

Um livro: Memórias de um caçador, Ivan Turguêniev

Um ator ou atriz: Nathália Timberg

Um filme: Um conto chinês

Um hobby: Tocar guitarra

Um dia especial: Nascimento do Ernesto, meu filho

Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?

Cassio Giorgetti: Gostaria apenas de agradecer aos que tiveram paciência de seguir com a leitura da entrevista até o final. Muito obrigado.

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