A filosofia — enquanto assombro e encantamento diante do que me toca, atravessa e transforma — permeia minha infância, formações que tive e escolhas que fiz. Sou natural de Gramado / RS, atualmente residindo em Canela. Mesmo tendo por meu lugar o não lugar, alguns pontos onde aterro me abraçam como casa, assim é Minas Gerais para mim, onde passei a maior parte da vida e cofundei o Instituto ORIOR. Tenho formação em Ciências Jurídicas e Sociais, Filosofia Prática e Filosofia Clínica. São mais de trinta anos dedicados a pesquisas, aplicação e difusão de ciências humanas e afins. Atuo na área de Desenvolvimento Humano e Transformação Cultural, acompanhando processos terapêuticos, fortalecendo partilhas e redes transdisciplinares de aprendizado. Coordeno o movimento “Artes, Ciências e Humanidades”, em prol da diversidade de expressão, da confluência de saberes e do caráter emancipatório do pensamento humano.
ENTREVISTA:
Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?
Ana Rita de Calazans Perine: Minha presença no meio literário acontece como natural desdobramento do exercício de melhor compreender a mim mesma e meu entorno. A partilha dos meus assombros, encantamentos, divagações e delírios começa ganhar maior constância com a experiência de vida adquirida e a constatação de que, por mais diversas que sejam nossas historicidades, as vicissitudes humanas as colocam em correspondência e correlação. O processo de amadurecimento e autoconhecimento passa pela colheita e conexão dos fragmentos que nos compõe enquanto individualidades humanas, singulares e plurais ao mesmo tempo, onde a imagem de quem somos é traçada também pelas relações que estabelecemos no fluxo da existência. Assim, ler e escrever são ações amalgamadas: por aproximações e contrastes leio o mundo e a mim mesma nos escritos do cotidiano, essencialmente relacional.
Conexão Literatura: Você é autora do livro “Transparências e transposições – Ensaios sobre o existir e o viver em sociedade”. Poderia comentar?
Ana Rita de Calazans Perine: Com selo da Pragmatha Editora, o livro apresenta uma seleção de crônicas, poemas e ensaios sobre temas existenciais. Os conteúdos estão divididos em cinco partes: Fronteiras imagéticas — entes e mundos, Em sociedade — desafios e possibilidades, Vestígios do real — desbloqueio e alforria, Em clínica — humanismo e emancipação e Usina poética — remadas e rimas.
Entendendo estar a filosofia radicada no âmago do espírito humano, sem teto que a limite nem chão que dela se aproprie, “Transparências e Transposições – Ensaios sobre o existir e o viver em sociedade” é um exercício filosófico por excelência: primário, basal, raiz. Nele, o mergulho na densidade do estar no mundo faz emergir sutilezas do ser em constante relação consigo e com o meio. Entre cenas que ocultando revelam o enigmático pacote vida se mostra, acompanhado de efêmeras nuances que fazem bailar luz e sombras no jogo que agora (em forma de livro) se eterniza brincante. Encantos, assombros, alegrias e tristezas deságuam embalados por processos de pesquisa, experimentações e autodescoberta. As emoções e pensamentos que compõem essas livres narrativas, como ar e fogo, fornecem os subsídios necessários à combustão que faz eclodir o humano: híbrido e multifacetado, austero e jocoso, infantil e maduro, inquiridor e displicente…
Seja em prosa ou verso, sereno ou tempestuoso, o texto flui na cadência da vida, sem absolutilizar regras e métricas, expresso em ritmos e contra ritmos próprios, movimento e pausa, voz e silêncio. Marcações ligadas a momentos pontuais de reconhecimento e busca por individuação, em que representação e apresentação se enlaçam com o existir e com viver em sociedade.
Fruto de desnudamentos que demandaram boas doses de coragem e desprendimento, o livro reúne, ao longo de décadas, fases e faces de quem sou. Assim, ao esboçar uma possível cartografia humana, pode ser lido de tantos modos quanto ditam os olhares e a experiência do leitor.
Conexão Literatura: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?
Ana Rita de Calazans Perine: Minha escrita brota da necessidade visceral que tenho em aguçar olhares e refinar leituras. Escrevo a partir de experiências cotidianas, de como a vida me toca e de como eu toco a vida. É bem mais ato de desague, vazão, do que de disciplina e contenção.
No momento em que a escrita se impõe, qualquer lugar passa a ser um bom lugar para esmiuçar emoções e pensamentos, para atribuir sentido e significado ao vivido. Mais do que integrar meus remédios existenciais, a escrita é o próprio boticário os percebendo, identificando e manipulando. Através dela percepciono o mundo e a mim mesma. De um lado, resguarda minha sanidade; de outro, dela me liberta!
Neste processo, embora avaliar resultados seja bastante complexo, eu busco sentir o tempo próprio de cada texto. Quando as palavras, antes silenciadas e em suspensão, encontram a voz no aterramento, cumprida está a travessia!
O existir e o viver em sociedade e as relações que nela travo são minhas maiores inspirações. Aí se incluem todas as formas de vida que pulsam no ventre da Mãe Terra, poética que faz de mim humana e aprendiz…
Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do seu livro especialmente para os nossos leitores?
Ana Rita de Calazans Perine: “A filosofia (e o filosofar) está em tudo que nos toca e atravessa, é disposição originária e própria do humano, permeia o universo do ser.
A filosofia não nasce na Academia, é pela Academia absorvida e por vezes por ela engessada em teorias e correntes de pensamento que aprisionam ideias alheias, nascidas do livre circular, sem libertar suas próprias. O filosofar é da vida e do viver, ainda que possa estar no meio acadêmico, não é ditado por títulos, insígnias e chancelas.
Filosofia é pathos (paixão, afeto, empatia, emoção, persuasão), ethos (ética, autoridade moral) e logos (lógica, razão): os três pilares da retórica, segundo Aristóteles. Um discurso, ainda que persuasivo, pode não trazer verdade nem permitir sua checagem, não trazendo nem permitindo, seria um discurso vazio.
Verdade é busca. Checagem, indícios que dela encontramos no processo de estar aqui e agora, em relação com a vida, inseridos no pulso da existência, experimentando e experienciando. Daí a prática do laboratório grego, filosofia promovendo ajustes necessários no processo do viver. Não há transcendência sem experiência, nem avanço sem fronteira.
Percorremos o território da existência impondo e ampliando limites. Na zona fronteiriça, divisa entre eles, carimbamos o passaporte do aprendizado. Ele é o salvo conduto, nosso passe livre, convertido em bagagem, repertório, histórias para contar, inquietudes para compartilhar, conhecimentos para disseminar…
O risco da filosofia?! Talvez o inerente a um bem conduzido processo terapêutico: nos colocar diante de nós mesmos!”
Conexão Literatura: Como analisa a questão da leitura no Brasil?
Ana Rita de Calazans Perine: A educação demanda maior incentivo e investimento. Há carência não só na produção e leitura de textos como na interpretação dos mesmos. Livros não se prestam para serem censurados, mas para serem lidos e amplamente dialogados. O saber ler o mundo, a si próprio e os livros triangulam ao possibilitar ponderações, ajustes e sustentações para um mundo mais equilibrado e inclusivo. Quando isso não ocorre reduzimos possibilidades, extirparmos singularidades e encapsulamos humanidades. Inviabilizamos beleza e poesia, aniquilamos a capacidade de questionar e discernir. Sem exercitar o pensar por conta própria nos tornamos meros repetidores e definhamos em talentos e expressividades. Daí a importância do movimento “Artes, Ciências e Humanidades”, em prol da confluência de saberes, da diversidade de expressão e da emancipação do pensamento.
Conexão Literatura: Como o leitor interessado deve proceder para adquirir o seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?
Ana Rita de Calazans Perine: Algumas informações sobre a minha trajetória, incluindo contatos https://linktr.ee/anaritadecalazansperine
O livro impresso pode ser adquirido no link https://pragmatha.com.br/produto/transparencias-e-transposicoes-ensaios-sobre-o-existir-e-o-viver-em-sociedade/
e o ebook em https://encurtador.com.br/De0ke.
Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?
Ana Rita de Calazans Perine: De momento minha atenção se divide entre estudos, sessões de terapia que conduzo, rodas de conversa com minha mediação e tempo livre que faço questão de manter. A partir destas interações surgem inspirações, natural que possam vir a se concretizar em novos projetos.
Perguntas rápidas:
Um livro: Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa
Um ator ou atriz: Bibi Ferreira
Um filme: Meia Noite em Paris, Woody Allen
Um hobby: contemplar e estar entre amigos
Um dia especial: junto de quem se ama
Conexão Literatura: Deseja encerrar com mais algum comentário?
Ana Rita de Calazans Perine: Espero que, em transparências, meus assombros, encantamentos e delírios possam, em transposições, encontrar e mobilizar os teus, leitor! Pois, do mesmo modo que não há aprendizado e transformação sem experiência, transparências são necessárias para transposições e transposições são necessárias para transparências…
Circunstâncias mudam, relações transfiguram, tempo encurta, lugar amplia, mas o assunto que convém não negligenciar segue ecoando: a acolhida a nós mesmos passa pela leitura real de nossos desejos e vontades; nem sempre bancá-los é tarefa fácil, mas aqui reitero o convite!
Convém não esquecer:
A vida acontece
Entre vontades e desejos
Entre sonhos e realidades
Entre ideações e factibilidades
Entre margens e travessias
Entre ocasos e recomeços
Entre a gente e os outros
Nem antes nem depois
A vida acontece entre
Equalizando forças
Recuperando equilíbrios
No inclinar-se
EQUALIZANDO FORÇAS
@ANA-RITA-DE-CALAZANS-PERINE
Paulista, escritor e ativista cultural, casado com a publicitária Elenir Alves e pai de dois meninos. Editor da Revista Conexão Literatura (https://www.revistaconexaoliteratura.com.br) e colunista da Revista Projeto AutoEstima (http://www.revistaprojetoautoestima.com.br). Fã de Edgar Allan Poe. Chanceler na Academia Brasileira de Escritores (Abresc). Associado da CBL (Câmara Brasileira do Livro). Participou em mais de 100 livros, tendo contos publicados no Brasil, México, China, Portugal e França. Publicou ao lado de Pedro Bandeira no livro “Nouvelles du Brésil” (França), com xilogravuras de José Costa Leite. Organizador do livro “Possessão Alienígena” (Editora Devir) e “Time Out – Os Viajantes do Tempo” (Editora Estronho). Fã n° 1 de Edgar Allan Poe, adora pizza, séries televisivas e HQs. Autor dos romances “Jornal em São Camilo da Maré” e “O Clube de Leitura de Edgar Allan Poe”. Entre a organização de suas antologias, estão os títulos “O Legado De Edgar Allan Poe”, “Histórias Para Ler e Morrer de Medo” e outros. Escreveu a introdução do livro “Bloody Mary – Lendas Inglesas” (Ed. Dark Books). Contato: ademirpascale@gmail.com