Dom Quixote é uma das obras mais importantes da
literatura universal. Mas é também um livro de linguagem empolada, repleto de
frases com orações subordinadas e expressões em desuso. Para apresentar esse
clássico às novas gerações, Monteiro Lobato escreveu sua própria versão
condensada do clássico.

Dom Quixote das crianças mostra que Lobato não
era só alguém com prosa agradável e fluída, mas era também um dos maiores
escritores brasileiros de todos os tempos – capaz de condensar uma obra densa e
complexa sem perder sua essência ou mesmo suas reflexões.

Para quem não conhece, Dom Quixote é um velho
espanhol que, de tanto ler romances de cavalaria, enlouqueceu, achando que era
um cavaleiro andante, convenceu um vizinho, Sancho Pança a ser seu escudeiro, e
saiu pelo mundo em busca de aventuras, que quase sempre terminam em memoráveis
surras.

Lobato inicia a narrativa no sítio do pica-pau
amarelo. Emília fica curiosa para ver dois volumes pesados no alto da estante
e, ao tentar alcançá-los com o uso de uma alavanca, derruba os livrões em cima
de Visconde, que fica achatado. Essa é a dica para que Dona Benta leia o imenso
livro ilustrado por Gustave Doré. Mas logo percebe que as crianças não pescam
nada da narrativa antiquada e resolve recontar as aventuras do cavaleiro
andante com suas próprias palavras. A forma narrativa permite que Lobato,
através da voz de Dona Benta, faça comentários sobre a obra e até explique
alguns termos usados no romance.

Segundo Lobato, “Cervantes escreveu esse livro
para fazer troça da cavalaria andante, querendo demonstrar que tais cavaleiros
não passavam de uns loucos. Mas como Cervantes fosse um homem de gênio, sua
obra saiu um maravilhoso estudo da natureza humana, ficando por isso imortal”.
Por outro lado, o protagonista, Dom Quixote, “não é somente o tipo do maníaco,
do louco. É o tipo do sonhador, do homem que vê as coisas erradas, ou as que
não existem. É também o tipo do homem generoso, leal, honesto, que quer o bem
da humanidade, que vinga os fracos e inocentes, e acaba sempre levando na
cabeça, porque a humanidade, que é ruim inteirada, não compreende certas generosidades”.   

Lobato consegue, mesmo em poucas páginas na
comparação com o romance original, preservar sua complexidade. Dom Quixote é
uma mistura de humor e drama e é impossível não se compadecer do pobre
protagonista, constantemente enganado por muitos, em sua ingenuidade e loucura
e mesmo cenas que parecem cômicas guardam uma alta dramaticidade. É um riso
entre lágrimas.

Em tempo: essa minha edição é de 1967 e trazia
um atrativo a mais: as belíssimas ilustrações de André Le Blanc, que ilustrou
vários livros de Lobato antes de se mudar para os EUA e trabalhar como assistente
do quadrinista Will Eisner.

Compartilhe!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *