Dragão-de-Komodo: de acordo com dados fornecidos pelo Parque Nacional de Komodo (uma das ilhas da Indonésia onde se encontram tais animais), de 1974 a 2012, houve 24 ataques a seres humanos, sendo que 5 foram fatais. 

Um punhado de seixos foi lançado de cima do morro acinzentado, onde, no topo, Gakh, acocorado, esperava. Um grande Dragão-de-Komodo rondava a base do monte, de quando em quando apoiando-se na encosta com as patas dianteiras, a língua saindo e entrando pela boca denteada, silvando e estalando. Os pedriscos atingiram a cabeça do lagarto, sem provocar reação, porém.

Gakh sentou-se. O Sol estava a pino e ele suava em bicas. O deserto era um lugar vasto, onde ventos sopravam a cem quilômetros por hora, em alguns locais. Havia uma placa de rocha granítica, no centro do topo aplainado do monte. Gakh desviou o olhar. Tentara erguer a pedra, mas era pesada e, mesmo que o homem conseguisse rolar o granito até a borda do morro, o Dragão se desviaria com facilidade de um projétil mortífero como aquele, que o esmagaria, se o atingisse daquela altura.

Gakh era mais um homem-macaco do que um homem, conforme se parecia no Século XXI. Não se sentava, acocorava-se, quando queria descansar. Suas pernas possuíam uma musculatura rígida, que o deixava mais à vontade e mais confortável se apoiado nos pés, os braços abraçando as pernas. Nenhum outro homem de sua tribo, contava-se, deixara ser apanhado em uma armadilha como aquela. Haviam perigos no deserto, mas a desatenção de Gakh fora suficiente para ele se confundir e escalar o monte, de uma maneira tola, ao ser perseguido de modo implacável pela besta.

Ele se levantou e andou até o outro lado do platô. Acocorou-se e esperou. Se tentasse descer, o Dragão-de-Komodo poderia ouvi-lo e o apanharia com toda certeza, fazendo uma tocaia na base do morro.

Mas tenho de tentar!, convenceu-se. Não procurou a exata localização da fera, ao invés, começou a descer. Tentou não deixar cair nenhuma rocha ou porção de terra da encosta da elevação, ele estava em uma situação desesperadora. Morreria de qualquer maneira, se ficasse sobre o monte. De fome, de sede, ou, se travasse confronto com a fera, era provável que fosse derrotado.

Portanto, colocou os pés em reentrâncias e buracos abertos na encosta e torceu para não ser ouvido. O silêncio era interrompido por rajadas de vento e a areia que levantava. Aves sem cauda planavam em um voo que parecia ser sem destino, mas elas sabiam o que estavam fazendo. Em um planar rasante, capturavam insetos e pequenos animais venenosos, mas suculentos, e as aves eram imunes ao seu veneno.

Gakh esticou a perna direita e alcançou o solo. Ficou imóvel. Sem ouvir os sons abafados do lagarto, orientou-se pelo Sol. Começou a correr, sabia qual direção tomar, mas conhecia o deserto. Mesmo que um homem seguisse um caminho um centésimo de grau fora da trajetória correta, seu destino se perderia entre as dunas e arbustos. Porém, mesmo um homem inexperiente como ele, a ponto de se deixar encurralar por um Dragão-de-Komodo, era hábil em se orientar pelo Sol e pelas estrelas.

O monstro vinha em velocidade. Estivera do outro lado do monte e, logo que ouviu as passadas rápidas de Gakh, veio em busca de sua presa. Ao avistá-lo, o lagarto correu, a saliva venenosa escorrendo pela boca e o barulho de seu trote avisando Gakh que seu predador o alcançaria em um intervalo mínimo de tempo.

O homem avistou, fora da trajetória que seguia, um monte de rochas e grandes seixos. Um filete de água corria lento, no fundo de um canal cujas encostas haviam sido escavadas pelos ventos e pelo período de chuva, de uma semana, que ocorria sempre dois meses após o Verão. Gakh desviou-se para as rochas. O Dragão podia ser grande, pele coriácea e ser venenoso, mas tinha pouca inteligência. Gakh tinha a característica fundamental que levava à centelha de inteligência entre os animais. Sua curiosidade e sentido de observação.

Chegou ao amontoado de pedras e escolheu duas. Era um milagre haver dois seixos de um formato que permitia a luta contra animais. Eram metades de discos, em que a parte curva era denteada. Tinham extrema dureza, quebravam as outras rochas com um golpe forte.

O monte de rochas era um aglomerado parcialmente unido por uma substância que há muito precipitara e se espalhara por grande parte dele, tornando o monte indestrutível pela ação da areia e das chuvas. O lagarto chegou junto a Gakh. Seu olhar era fixo. O que o homem significava para o animal era carne para saciar sua fome permanente. Gack dera as costas para o monte e o canal e começara a circundar o Dragão de Komodo, que atacou. Era rápido e forte, mas o humano tinha suas armas.

Desferiu dois golpes em sucessão contra as narinas do monstro, que parou. Dois cortes sangrentos se abriram no couro do animal, que o deixaram inerte por alguns segundos. Em seguida, atacou com fúria redobrada. Gack esperou. No momento certo, girou o corpo e cortou fundo o focinho do inimigo. Girou outra vez o corpo e acertou o lagarto de cima para baixo. Sangue espirrou e o Dragão recuou. O humano avançou. As rochas em suas mãos deixavam pingar sangue. Gack correu. O bicho passou a grossa cauda pelas pernas do homem, que caiu. A fera atacou, mas Gack levantou-se de um pulo e atingiu a criatura com os dois seixos cortantes, um em cada olho. A fera rugiu e sangue cobriu as órbitas de seus olhos. Um olho havia sido cortado ao meio. O outro, quase arrancado.

Gack percebeu que havia ganho a luta. Observou o animal tropeçar, cair, levantar-se. Caminhou, levando seu peso de duas toneladas para a encosta do canal. Deixou-se deslizar e seguiu o curso do riacho, descendo-o.

O homem chegou em sua aldeia em três horas. Saudoso de sua família, seu pai, sua mãe, seus irmãos, tios e primos. À noite, contou a todos sobre sua imbecilidade em se deixar encurralar no monte de terra pelo Dragão-de-Komodo. Mas a vitória contra um gigante como ele, feroz e venenoso ao extremo, elevou os ânimos dos aldeões.

Chegou a hora de dormir. Havia uma choupana que os sacerdotes da tribo haviam mandado construir. Diziam que Gakh voltaria, e com uma vitória. Então, altas horas da noite, quando todos dormiam em sono alto, a garota mais bela e pura de todas entrou no abrigo de Gakh.

A lua era crescente e Vênus fazia companhia a ela, no firmamento. A ausência do vento fazia com que ninguém fosse incomodado, durante o sono.

Gakh criou uma família numerosa, de caçadores e guerreiros. E guerreiras. De seu sangue, seus filhos, netos e bisnetos herdaram a força e sagacidade do chefe de família. 

Gakh foi eleito o chefe da tribo, já idoso, mas enxergando com perfeição, caminhando sem queixar-se de dores e, em batalhas com outras tribos, sem ser atingido. Por fim, com inúmeras escaramuças vencidas, a tribo de Gakh juntou-se às outras. Pois ela era a mais numerosa e mais forte, em termos de número de guerreiros e qualidade da luta que desenvolveram.

— Thyana, quando eu me for, você será a chefe da tribo — uma noite Gakh confessou para sua esposa. Haviam casado muito jovens, mas Thyana conservava acesa uma chama de luta e combate que ninguém possuía, nem mesmo o mais musculoso e ágil dos guerreiros.

— Hmm. Não acha que nossa tribo não irá concordar?

— Você é a mais forte de todos, hoje. Saia e traga um tigre-de-dentes-de-sabre, um lagarto de Komodo ou um leão forte e jovem pela juba. Darei o título de chefe da tribo, nesse momento.

Uma manhã, Thyana partiu. Voltou com um tigre-de-dentes-de-sabre gigantesco, que ela arrastara por um quilômetro. E disse que um leão estava morto, ao lado de onde trouxera o tigre.

Fizeram-na chefe. Ela uniu os povos em uma só nação. Colonizaram o deserto e parte dela partiu para o Norte e Sul. Conquistaram outros povos, dando a eles tratamento bom e justo. A cada tribo conquistada, mais uma nação era criada, para a felicidade dos antigos chefes, que podiam seguir com suas vidas de modo fácil, como antes.

Até que, um dia, no Continente Antártico, em meio a neve e gelo, caindo sem parar, Thyana, liderando uma expedição de conquista, avistou uma caverna de gelo. Entraram, os cinco mil integrantes da missão, e encontraram quinhentas páginas de pergaminho, cada uma isolada por uma caixa de vidro. 

Quando todos tomaram conhecimento do que estava escrito, decidiram não roubar tais documentos. Isolados na caverna por metros e metros de gelo e neve, não seriam encontrados tão fácil. Os segredos dos primeiros homens, revelado, fez-se sentir como uma aventura sem igual.

Thyana contou palavra por palavra tais diários, para escribas, ao voltar ao deserto. Gakh, de longos bigodes e volumosa barba, manteve-se em silêncio. Naquela noite, falou para sua esposa:

— Não devemos voltar ao Continente Antártico. 

— Por quê, meu marido?

— Podemos encontrar outros pergaminhos, contra nós e nossas nações.

— Acha que isso será possível?

Gakh falou:

— Tenho absoluta certeza de que uma guerra ocorreu e nos deixou como descendentes. Tenho absoluta certeza de que estamos aqui por um destino que não é ao acaso. Tenho mais certeza ainda que quem deflagrou tal guerra voltará e nos aniquilará com muita facilidade.

— Como…

— Temos de desenvolver a Ciência, não a mesma Ciência que causou a extinção de grande parte de nossos ancestrais, mas uma outra forma.

— Pensa no que imaginou como Alquimia?

— Alquimia, a Pedra Filosofal, as Chaves Alquímicas Perdidas. E muito mais. É uma Ciência obscura, que só você e eu conhecemos, mas que temos de divulgar. Divaguei muito antes de descobrir os segredos da Pedra Filosofal. Ele está à nossa volta, sua origem pode ser desenvolvida por qualquer um. Mas a única pessoa que descobriu os modos de elaborá-la e utilizá-la fui eu.

–//–

Portanto, quando você olhar para o céu, para a Constelação de Órion, para uma das estrelas Três Marias, lembre-se de que o segredo para a conservação da vida na Terra veio de lá, para a nossa sobrevivência e nossa nobreza. Para nossas virtudes e romances.  Para nossa plenitude e nossa vitória da vida sobre a morte.

Não somos imortais. Mas temos algo a ver com a conquista da imortalidade de alguns outros povos, neste infinito Universo.

SOBRE  O AUTOR:

Roberto Fiori é um escritor de Literatura Fantástica. Natural de São Paulo, reside atualmente em Vargem Grande Paulista, no Estado de São Paulo. Graduou-se na FATEC – SP e trabalhou por anos como free-lancer em Informática. Estudou pintura a óleo. Hoje, dedica-se somente à literatura, tendo como hobby sua guitarra elétrica. Estudou literatura com o escritor, poeta, cineasta e pintor André Carneiro, na Oficina da Palavra, em São Paulo. Mas Roberto não é somente aficionado por Ficção Científica, Fantasia e Horror. Admira toda forma de arte, arte que, segundo o escritor, quando realizada com bom gosto e técnica apurada, torna-se uma manifestação do espírito elevada e extremamente valiosa.
Roberto Fiori sempre foi uma pessoa que teve aptidão para escrever. Desde o ginásio, passando pelo antigo 2º Grau, suas notas na matéria de redação eram altas, muito acima da média. O que o motivava a escrever eram suas leituras, principalmente Ficção Científica e Fantasia. Descobriu cedo, pelo mestre da Fantasia Ray Bradbury, que era a Literatura Fantástica que admirava acima de qualquer outro gênero literário.
Em 1989, sob a indicação de uma grande amiga sua, Loreta, que o escritor conheceu a Oficina da Palavra, na Barra Funda, em São Paulo. E fez uma boa amizade com o maior professor de literatura que já tive, André Carneiro. Sem dúvida alguma, se não fosse pelo André, Roberto nos diz que jamais saberia o que sabe hoje, sobre a arte da escrita. Nos cursos que ele ministrava, o autor aprendeu na prática a escrever, as bases de como tornar uma mera história de ficção em uma obra que atraísse a atenção das pessoas.
“Futuro! – Contos fantásticos de outros lugares e outros tempos” é uma obra parte Fantasia, parte Ficção Científica, parte Horror, e que poderá vir a se tornar realidade, quer em outra época, no futuro, quer em outra dimensão paralela à nossa. Vivemos em um Cosmos que não é o único, nessa teia multidimensional chamada Multiverso. Ele existe, segundo as mais avançadas teorias da cosmologia. São Universos Paralelos, interligados por caminhos ou “wormholes” – buracos de minhoca. Um “wormhole” conecta dois buracos negros, ou singularidades, em que a gravidade é tão elevada que nada pode escapar de sua atração gravitacional, nem mesmo a luz. Em tais “wormholes”, o tempo e o espaço perdem suas características, tornam-se algo que somente pode-se especular e deduzir matematicamente.
“Futuro! – Contos fantásticos de outros lugares e outros tempos” é uma coletânea de treze contos e noveletas. Invasões alienígenas por seres implacáveis, ameaças vindas dos confins da Via Láctea por entidades invencíveis, a luta do Homem contra uma raça peculiar e destrutiva ao extremo, terrível e que odeia o ser humano sem motivo algum. Esses são exemplos de contos em que o leitor poderá não enxergar qualquer possibilidade de sobrevivência para o Homem. Mas, ao lado de relatos de pesadelo, surgem contos que nos falam de emoções. Uma máquina pode apresentar emoções? Ela poderia sentir, se emocionar? Nosso povo já esteve à beira da catástrofe nuclear, em 1962. Isso é realidade. Mas e se nossa sobrevivência tivesse sido conseguida com uma pequena ajuda de uma raça semelhante à nossa em tudo, na aparência, na língua, nos costumes? E que desejaria viver na Terra, ao lado de seus irmãos humanos? Há histórias neste livro que trazem ao leitor uma guerra milenar, que poderá bem ser interrompida por um casal, cada indivíduo situado em cada lado da contenda. E há histórias de terror, como uma presença, não mais que uma forma, que mata, destrói e não deixa rastros. 
Enfim, é uma obra de ficção, mas que poderá vir a se revelar algo palpável para o Homem, como na narrativa profética da destruição de um planeta inteiro.
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