O que é piá?
Rafael Caputo
Certa vez um amigo estrangeiro, que por essas terras curitibanas veio a se aprochegar, me confessou um pequeno segredo. Nem é tão segredo assim que eu não possa compartilhar. Na verdade, está mais para um fato hilário, algo de fato peculiar. Toda sexta, como um rito sagrado, seu vizinho ao lado punha carvão a queimar. Num desses dias veio o (in)esperado convite, o anfitrião Casagrande foi lá lhe chamar. Convite aceito, pensou logo ele: “Não só no cheiro hoje vou a ficar!”.
O mistério fora então revelado: costela no bafo, bendita olência que louco deixava, todas as sextas, o estrangeiro a ficar. Em certa altura do campeonato, conversa vai, conversa vem, eis que surge então uma expressão em particular. Um dos convidados, um cara gordo e engraçado, afirma em voz alta:
“Lá voava o piá!”
Piá? O que será? Um novo mistério surge a revelar. O estrangeiro então passa a desconfiar que a divertida palavra é gíria do lugar. Começa por instinto a muito observar. Repara que em volta há várias gaiolas, algumas vazias, outras compostas por pequenas aves que tendem a piar. Pensa ele:
“A expressão que ouvi trata-se de um passarinho a voar!”
Horas depois, salivando com a ponta da costela a desmanchar, escuta algo novo que interrompe de pronto o seu degustar. Aquele mesmo sujeito gordo agora afirma: o piá da água tirar. “Não pode ser! Equivocado estou eu!?” – fica o estrangeiro confuso a pensar – “Mas então, o que será?” – volta ele a se questionar.
Como um detetive implacável o estrangeiro passa a pistas procurar. Até que encontra na garagem da casa, para sua surpresa, diversas varas de pescar. “Só pode ser isso: Tambaqui, Pacu, Piá…”.
“Já sei! A expressão que ouvi trata-se de um peixe a nadar!”
Mas nada é tão simples como a imaginar. Do mesmo homem gordo e engraçado, culpado por vezes de o mistério lançar, eis que surge um menino, branquelo e pançudo, a se aproximar. “O que é piá?” – pergunta ele ao seu próprio filho que não para de choramingar. Pronto, um novo desafio é lançado ao estranho àquele lugar.
“Resolver essa é fácil!” – pensa o inocente convidado ao jantar – “Só há uma explicação possível: Piá é o nome do garoto, branquelo e pançudo, filho daquele que insiste em me provocar. Um nome que mais parece um apelido, tão engraçado quanto ao pai, que sem querer o condenara a tal alcunha carregar.”
“Já sei! A expressão que ouvi trata-se de um nome em particular!”
Porém, para espanto do estrangeiro, por ali também se encontram muitos outros piás, uns com menos pança, é verdade! Outros nem tão brancos assim. “Que estranho! Quantos piás podem existir num mesmo rol familiar? Seria essa uma tradição da região? Talvez sim, talvez não. Ora, assim fazem os árabes com os primeiros que por lá nascem. O nome do profeta eles passam a carregar. É Mohamed pra li, Mohamed pra lá.”
“Já sei! A expressão que ouvi trata-se de um herói a homenagear!”
–
Quão tolo é esse vizinho estrangeiro, que das bandas de um rio em janeiro veio para aqui ficar. Mal sabe ele que nada do que imagina está certo. Tentativas inúteis são as dele em acertar. O sentido da palavra é mais simples do que se pensa, fruto de um país rico em seu linguajar. “Piá” nada mais é que um menino, seja ele pançudo ou não, pelo menos é assim que se diz pra cá dessa bela região: o Paraná.
👲
Conto publicado na antologia “Elos da Língua Portuguesa, Vol. 2”, da Academia Brasileira de Escritores, reunindo autores dos nove países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).