O Ragnarok: na mitologia escandinava, significava o fim do mundo, o Fim dos Tempos. O Dia do Julgamento Final

Um dia, Isgard da Noruega, disse para seu filho, Garaleth, verdades muito sábias. 

— Não sabemos quando o Ragnarok chegará, Garaleth, nem como ele se dará, em nossas terras. Alguns, como o Grande Soçmir, afirmaram que ele viria da forma de uma grande nevasca, que cobriria tudo com neve espessa e congelante. Outros disseram, no passado, que os sóis em todo o Grande Mundo se confrontariam numa batalha que os deuses provocariam. E as chamas universais queimariam o que encontrariam ao seu redor. Nas montanhas a Leste, eu mesmo pude antever a destruição das terras afastadas de Grind, a mil quilômetros ao Sul de nosso Reino. Vi, nas paredes das cavernas, como a terra tremeu e o magma aflorou por entre a terra rachada e seca, árida como os desertos do outro lado de nosso Mundo. As aldeias não resistiram e transformaram-se em fumo. Os barcos, alcançados pela lava, queimaram e afundaram. Os colossos que eram as estátuas em homenagem a nossos deuses, tragados em vórtices de fogo líquido.

Isgard ficou olhando para o infinito e seu filho estranhou o silêncio. Quando perguntou ao pai se havia alguma indicação de quando o Universo morreria, Isgard disse:

— Só os deuses sabem, Garaleth, e eles se encontram no momento decidindo qual reino irá primeiro, o nosso, o dos bárbaros do Leste ou o de Grind, ao Sul. Essas são verdades únicas. Vá para as Florestas de Espinhos que cercam as montanhas que veem o Passado, o Presente e o Futuro. Ache um modo de descobrir quando o Ragnarok virá. Se descobrir, guarde o segredo para si. Ninguém pode conhecê-lo.

Naquela noite, Garaleth saiu de sua aldeia, uma pequena parte da Noruega e seguiu para a Suécia. O primeiro obstáculo foi um dragão de seis asas e três cabeças, que guardava o Passo de Sial, nas montanhas Damísticas. Flechou a criatura nove vezes na cabeça, mas o monstro nem se abalou. Veio flutuando por cima da ponte de madeira suspensa que transpunha o desfiladeiro e atacou.

Suas asas foram retalhadas pelo machado de aço, que Garaleth trazia às costas. Mas o dragão, caído imóvel perto da borda do abismo, esperou. O jovem norueguês estava certo de que tinha posto o animal do outro mundo aniquilado, mas ele levantou o pescoço e uma torrente de fogo foi lançada de sua bocarra. O rapaz saltou para o lado, mas o fogo atingiu seu escudo, que ele levantara. Ele correu, mas o fogo o perseguiu. Quando uma labareda o atingiu nas costas, Garaleth caiu.

–//–

O norueguês enxergava mal. As sombras eram estranhas, fazendo o quarto ser visto com opacidade. Davam-lhe de comer, ele estava sempre deitado de lado, suas costas nuas eram um alvoroço de queimaduras e a agonia era tremenda. Mas Garaleth sentia que era bem-vindo na casa de ardósia verde e vermelha.

— Aqui… só vai poder comer frango e carne vermelha em três dias. Aproveite a sopa, feita de camarões de água doce, temperos, farinha de milho e legumes que eu preparei com minhas irmãs. Não alcançou ainda a Suécia, teria de atravessar o Passo de Sial. O monstro-dragão Orlund está inconsciente, agora. Mas se acordar, atacará nossa aldeia. Precisamos de coragem para lançá-lo no Abismo da Morte, mas quem dará valentia a pobres aldeões?

— Eu posso… mas… só após me curar das feridas…

— Conheço você — outra voz ressoou. — É filho de Isgard, rei de toda Noruega. Por que se arriscou tanto? O que procura?

— Alguém aqui sabe como chegar a Finlândia? — o jovem queimado perguntou.

— O que procura lá, por Thor?

— A resposta a todas as perguntas.

A noite caiu e nem Orlund, ou outra criatura, buscou vingança contra Garaleth. O dragão continuava sentado sobre as patas, no Passo de Sial. Não podia voar, mas podia queimar. A Lua cruzou o céu aos poucos, para não assustar o monstro-dragão. E a manhã seguinte revelou a todos que o rapaz queimado era mesmo o filho de Isgard.

Saltou da cama e apanhou uma broa de milho, que estava diante de seus olhos, na mesinha do quarto.

— A quem devo as honras por este pão tão especial?

— A mim — declarou uma moça de cabelos cor de prata enrolados em tranças compridas.

— Pois, meus parabéns!

Ela sorriu e realizou um movimento de dança.

— Queres ir à Finlândia? Mas como, se não podes nem passar por um monstrinho indefeso?

— Ele não era indefeso, cortava com as bordas das asas e cuspia fogo como saliva.

— Estás todo queimado, como podes desvendar os milagres do Universo?

— Quanto maior a dor, maior o sofrimento. Quanto maior o sofrimento, mais chance de se achar a recompensa…

Nesse momento, entraram no quarto os pais da jovem. O velho, centenário, rugia com os olhos. A mãe, de boca fechada e mãos enclavinhadas, cuspiu no chão e falou:

— Harmosy, cuidado com os modos, desagrada quem gosta de ouvir poesia e desgosta quem gosta de dar uma boa chibatada!

O pai, muito idoso, caminhava com o auxílio de uma bengala de madeira. Bateu três vezes com ela no chão e falou:

— Nunca vi pacientes se recuperarem em tão pouco tempo de queimaduras de terceiro grau. Vire-se, rapaz! — De fato, as pústulas que ontem haviam empolado a pele de Garaleth, hoje estavam curadas. 

— Tem um escudo do meu tamanho, toalhas ensopadas com água e… — ele se virou para Harmosy, que fingia que não ouvia nada — … uma linda garota, que sabe poesia, música e gosta de assistir a combates?

— Do que está falando? — o velho gritou.

— Quer levar nossa Harmosy, para vê-lo ser queimado até a morte, mancebo? — a velha falou aos berros.

— O que diz a mim, Harmosy? Gostaria de ver o dragão cair no abismo, com sua boca lançando fogo para todos os lados?

Ela dançou valsa e saiu, dizendo que o esperaria nas estrebarias da vila.

— Não me olhem assim, foi ela que aceitou meu convite, senhores e senhoras… — Garaleth saiu pela passagem que levava aos estábulos, cantarolando e assobiando.

Nas estrebarias, onde em suas paredes de madeira estavam suspensos forcados, foices, pás, correntes, a garota olhava divertida para a porta. Duvidava que o rapaz fosse capaz de adentrar o edifício e a apanhasse de surpresa para levá-la ao covil do monstro…

Cansada de esperar, caminhou a passos firmes para a saída. Chegando na entrada dos estábulos, ouviu um galopar, sentiu um braço forte ao redor da cintura e foi alçada para cima de um cavalo, montada em pelo.

— Há! Eu devia saber… você é meio selvagem, não se acha?

Meu nome é Garaleth, sou filho de Isgard, sou sem medo, tenho coragem, sou sem temor, tenho valentia, sou…

— Espere, ouvi algo — ela sussurrou.

— Venha comigo — ele sussurrou, descendo da montaria.

Ela achou uma falta de cavalheirismo da parte dele não ajudá-la a descer, mas saltou de qualquer jeito.

Ela chegou até junto dele e viu. O dragão não tinha mais asas, mas era assustador. Três metros de altura, uma cauda de cinco metros e patas maciças, da grossura de uma tora. Olhava ao redor com fúria e, de vez em quando, soltava fogo da bocarra.

O rapaz tinha consigo o escudo, a espada e o machado de aço. Saltou sobre o morrinho em que se abrigara ao lado da jovem e disparou em direção do dragão. Harmosy correu para o lado direito, fazendo o monstro ficar em dúvida sobre qual alvo deveria contra-atacar. 

Isso foi o suficiente para Garaleth alcançar a fera. Desembainhou a espada e estocou o corpo da criatura, na altura da garganta. A arma atravessou o couro com facilidade e ambos, dragão e um príncipe que não sabia o que era lutar de verdade, caíram no despenhadeiro.

Harmosy viu a queda dos dois oponentes. Uma bola de fogo subiu aos céus e a jovem olhou para as nuvens. Elas se expandiram, enegrecendo a paisagem de Norte ao Sul, de Leste a Oeste. Uma chuva pesada caiu, acompanhada de relâmpagos cegantes. A chuva parou em dois dias, mas os relâmpagos continuaram queimando os campos férteis, as florestas virgens, transformando desertos em areia negra.

Nos castelos, as torres eram despedaçadas e nos pátios houve um massacre. As cidades foram reduzidas a cinzas, lama e escória. 

A perdição do Ragnarok sobreveio.

SOBRE  O AUTOR:

Roberto Fiori é um escritor de Literatura Fantástica. Natural de São Paulo, reside atualmente em Vargem Grande Paulista, no Estado de São Paulo. Graduou-se na FATEC – SP e trabalhou por anos como free-lancer em Informática. Estudou pintura a óleo. Hoje, dedica-se somente à literatura, tendo como hobby sua guitarra elétrica. Estudou literatura com o escritor, poeta, cineasta e pintor André Carneiro, na Oficina da Palavra, em São Paulo. Mas Roberto não é somente aficionado por Ficção Científica, Fantasia e Horror. Admira toda forma de arte, arte que, segundo o escritor, quando realizada com bom gosto e técnica apurada, torna-se uma manifestação do espírito elevada e extremamente valiosa.
Roberto Fiori sempre foi uma pessoa que teve aptidão para escrever. Desde o ginásio, passando pelo antigo 2º Grau, suas notas na matéria de redação eram altas, muito acima da média. O que o motivava a escrever eram suas leituras, principalmente Ficção Científica e Fantasia. Descobriu cedo, pelo mestre da Fantasia Ray Bradbury, que era a Literatura Fantástica que admirava acima de qualquer outro gênero literário.
Em 1989, sob a indicação de uma grande amiga sua, Loreta, que o escritor conheceu a Oficina da Palavra, na Barra Funda, em São Paulo. E fez uma boa amizade com o maior professor de literatura que já tive, André Carneiro. Sem dúvida alguma, se não fosse pelo André, Roberto nos diz que jamais saberia o que sabe hoje, sobre a arte da escrita. Nos cursos que ele ministrava, o autor aprendeu na prática a escrever, as bases de como tornar uma mera história de ficção em uma obra que atraísse a atenção das pessoas.
“Futuro! – Contos fantásticos de outros lugares e outros tempos” é uma obra parte Fantasia, parte Ficção Científica, parte Horror, e que poderá vir a se tornar realidade, quer em outra época, no futuro, quer em outra dimensão paralela à nossa. Vivemos em um Cosmos que não é o único, nessa teia multidimensional chamada Multiverso. Ele existe, segundo as mais avançadas teorias da cosmologia. São Universos Paralelos, interligados por caminhos ou “wormholes” – buracos de minhoca. Um “wormhole” conecta dois buracos negros, ou singularidades, em que a gravidade é tão elevada que nada pode escapar de sua atração gravitacional, nem mesmo a luz. Em tais “wormholes”, o tempo e o espaço perdem suas características, tornam-se algo que somente pode-se especular e deduzir matematicamente.
“Futuro! – Contos fantásticos de outros lugares e outros tempos” é uma coletânea de treze contos e noveletas. Invasões alienígenas por seres implacáveis, ameaças vindas dos confins da Via Láctea por entidades invencíveis, a luta do Homem contra uma raça peculiar e destrutiva ao extremo, terrível e que odeia o ser humano sem motivo algum. Esses são exemplos de contos em que o leitor poderá não enxergar qualquer possibilidade de sobrevivência para o Homem. Mas, ao lado de relatos de pesadelo, surgem contos que nos falam de emoções. Uma máquina pode apresentar emoções? Ela poderia sentir, se emocionar? Nosso povo já esteve à beira da catástrofe nuclear, em 1962. Isso é realidade. Mas e se nossa sobrevivência tivesse sido conseguida com uma pequena ajuda de uma raça semelhante à nossa em tudo, na aparência, na língua, nos costumes? E que desejaria viver na Terra, ao lado de seus irmãos humanos? Há histórias neste livro que trazem ao leitor uma guerra milenar, que poderá bem ser interrompida por um casal, cada indivíduo situado em cada lado da contenda. E há histórias de terror, como uma presença, não mais que uma forma, que mata, destrói e não deixa rastros. 
Enfim, é uma obra de ficção, mas que poderá vir a se revelar algo palpável para o Homem, como na narrativa profética da destruição de um planeta inteiro.
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5 respostas

  1. Tentei harmonizar a violência de um combate até a morte com um dragão e a vida dos aldeões, cuidando dos ferimentos do protagonista. Muito obrigado, Leonnardo! Tentarei escrever outro conto para essa semana.

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