De outra forma, há aquela história da águia que fora criada entre galinhas e acreditava ser uma delas, não podendo, pois, voar porque galinhas não voam (A águia e a galinha, de Leonardo Boff). Após insistentes tentativas do sujeito que não se conformava em ver uma águia acreditando que era galinha, a águia finalmente voa, aliás, teve que fazê-lo, uma vez que foi jogada do alto de uma montanha. Ou voava, ou morria. No fundo, a águia não acreditava que podia voar.
Mais outra história que tem tudo a ver: se não estou enganada, é no livro “O mundo de Sofia”. Embora eu tenha lido este livro, não me lembrava de um fato interessante que uma amiga trouxe à baila: mais ou menos assim, rezava a lenda que a centopeia dançava divinamente numa sincronia maravilhosa usando suas milhares de pernas (15 a 190 pares). Aí aconteceu que algum outro bichinho perguntou a ela como era sua técnica para usar tantas pernas ao dançar. E a centopeia parou de dançar para pensar como era a tal técnica. Conclusão: ela simplesmente nunca mais dançou.
Transpondo para a condição humana, verificamos que somos capazes de proezas incríveis, vencemos obstáculos intransponíveis, porém apenas quando nos vemos em uma situação limite. Normalmente guardamos nossas ousadias e preferimos ações mais comedidas, como se guarda a roupa de festa para as grandes ocasiões e usa-se a roupa modesta para dias comuns. E nossa vida acaba sendo uma monótona sucessão de dias comuns. O foco todo parece estar centrado, não naquilo podemos ou não, mas no que acreditamos que podemos. Não está no poder, mas no crer. O besouro não pode voar, mas não sabe disso, acredita que pode e voa. A águia pode voar, mas se criada entre galinhas, acredita que não pode e não voa.
Em um documentário de televisão já foi mostrado que pessoas que nasceram com deficiência no cérebro, contra todas as evidências científicas, desenvolveram aptidões normalmente tidas como impossíveis. O cérebro, vamos dizer assim, molda-se à situação exigida. Em outro estudo, uma pessoa era monitorada enquanto fazia exercícios ao piano. O cérebro então exibia a área afetada pelos movimentos dos dedos comprimidos ao teclado. Entretanto, outra pessoa sentava-se ao lado da que praticava ao piano, mas não se mexia, apenas observava os movimentos, acompanhando mentalmente. Pois não é que o cérebro dessa pessoa, também monitorada, apresentava a mesma variação da primeira? A força da mente é demais! Diga a uma pessoa do que ela é capaz e observe. De outra maneira, diga do que não é e também observe.
A criança não sabe que não pode, portanto, não tem medo de tentar, ela acredita e faz. A infância é receptiva e sábia, marcada pela intuição. Não é por acaso que Jesus aconselhava que acolhêssemos o reino de Deus como uma criança. Quando nos tornamos adultos, vacilamos na fé. Vamos caminhando sobre as águas, mas tal como Pedro, quando o vento fica mais acirrado, somos tomados pelo medo e afundamos. Já não podemos mais contar com a sagrada inocência da infância em que todas as coisas são possíveis.
Sejamos besouros ou águias, ou ainda centopeias, tanto faz, importa acreditar. Melhor ainda, sejamos como as crianças. Se a gente não se fizer criança, a vida ficará difícil, seremos estranhos num mundo cada vez mais estranho e impossível.