Aos dezoito anos, após uma
fracassada tentativa de ganhar a vida como vendedor de aparelhos celulares, eu fui trabalhar numa empresa chamada Códice, umas das maiores distribuidoras de livros da América Latina. Eu me sentia na Disneyland, cercado por milhares de livros todos os dias.
Em pouco tempo comecei a atuar como supervisor do suporte técnico da empresa que, além dos livros, também era encarregada de vender o Dicionário Aurélio Eletrônico para computador. Dessa forma, diariamente inúmeros usuários entravam em contato comigo pedindo orientações de como instalar o monstrengo de 15 disquetes nos seus PCs. Sim, eu sou do tempo do disquete, algo que os millennials não fazem ideia do que se trata, apesar de verem um todas as vezes que clicam no botão “Salvar” do Microsoft Word.
Certo dia, eu estava tão empenhado em tarefas técnicas de alta complexidade – basicamente jogando Paciência no computador – que não percebi que o telefone estava tocando. Foi quando a minha fiel assistente Mauricélia entrou na minha sala, tão pálida que mais parecia que tinha se encontrado com o próprio Diabo.
– Rodrigo, pelo amor de Deus, atende o telefone! – Ela me disse em tom súplice.
– Calma, o que houve?! – Perguntei perplexo.
– É o Jô… – ela sussurrou com os olhos esbugalhados.
– Não entendi, do que você está… – eu comecei a falar, apesar de, no fundo, já ter entendido do que se
tratava.
– É O JÔ SOARES QUEM ESTÁ LIGANDO PARA NÓS RODRIGO! ATENDE A DROGA DO TELEFONE!!!! – Ela gritou à beira da histeria.
Dessa vez fui eu quem congelou. Era comum, no longínquo ano de 1995, o apresentador Jô Soares, um dos maiores humoristas e entrevistadores de todos os tempos, ligar seu computador e pesquisar o significado de palavras interessantes diante da plateia, durante a gravação do seu famoso programa Jô Soares Onze e Meia. Eu nunca tinha me dado conta, mas ele usava o programa Dicionário Aurélio Eletrônico, cujo responsável pelo suporte técnico era eu mesmo. Engoli seco e olhei para o aparelho telefônico, que continuava tocando insistentemente.
– Meu Deus… – murmurei. Antes que a coragem se esvaísse de vez, atendi às pressas, tentando não desmaiar de medo – alô…?
– Rodrigo, me salva pelo amor de Deus! – Jô Soares em pessoa falou em tom súplice – meu Dicionário Aurélio Eletrônico não abre e eu estou indo gravar meu programa, o que eu faço?!
Eu arregalei os olhos e pensei “ok, agora ferrou de vez”. Uma lenda viva não ia conseguir gravar corretamente seu programa televisivo de milhões de telespectadores e a culpa seria minha. Depois sacudi a cabeça, acho que até apliquei uns dois tapas na minha própria cara e perguntei à queima-roupa:
– Jô, fica calmo, você já experimentou colocar o disquete número um e atualizar seu aplicativo? – Eu perguntei, me referindo a uma estúpida regra de segurança do software que todos os usuários esqueciam de cumprir e sempre me xingavam por causa disso. O Jô ficou calado do outro lado da linha, me deixando ainda mais assustado.
– Rodrigo, eu sou um filho da puta! Me desculpe, esqueci completamente dessa merda! – Ele falou rindo. Eu ri também, mas era de nervoso – me ajuda aqui, o que eu preciso fazer mesmo?
Conversamos por um bom tempo. Diversas vezes ao longo de anos ele me procurou para tirar dúvidas e, numa dessas vezes, combinei de levar em mãos a versão mais nova do software para ele. Fui até o apartamento dele em São Paulo e o Jô Soares nem sequer saiu do prédio, entreguei a caixa com o programa, ele sorriu, me agradeceu e depois voltou para dentro, acho que estava com muita pressa. Eu não falei de outra coisa ao longo das semanas seguintes.
Um dia precisei me ausentar do escritório e, quando cheguei, minha assistente Mauricélia estava com uma cara estranha, de quem tinha aprontado. Quando perguntei o que ela tinha feito, veio a confissão.
– Chefe, não briga comigo, mas o Jô ligou aqui pedindo para falar com você e eu acabei atendendo o telefone – a adolescente falou, sem graça.
– O que você aprontou? Por que você está com essa cara de quem fez bobagem? – Perguntei sorrindo.
– Eu pedi para ele mandar um beijo para mim durante o programa dele, desculpa! – Ela confessou, sem graça. Eu dei risada e falei para ela não se preocupar.
Alguns dias depois, eu estava assistindo ao Jô Soares Onze e Meia após chegar da faculdade e vi meu apresentador favorito enumerando as entrevistas daquela noite. Em seguida ele anunciou o intervalo comercial, mas antes falou de forma dramática:
– E antes que eu me esqueça: Mauricélia, um beijo do gordo! – Ele falou sua famosa frase e depois mandou um beijo caloroso para a câmera.
Eu sorri, tive certeza de que no dia seguinte minha assistente estaria nas nuvens.
Só confesso que fiquei chateado por não ter sido incluído no beijo. C’est la vie!