João Marcondes, Paulo Iumatti e Álvaro Faleiros

Fabulações Baudelairianas: récita camerística de Botiquim. Esse é o título do álbum que acaba de chegar nas plataformas digitais e é o primeiro resultado de um projeto ambicioso de transcrição e adaptação do clássico livro do poeta francês Charles Baudelaire, As flores do mal (1861), para o contexto brasileiro. Tal projeto se desdobra em várias iniciativas, cuja concretização está prevista para os anos de 2024 e 2025 – o lançamento de três álbuns musicais e a reedição do livro À flor do mal, de Álvaro Faleiros.

Em 2018, o prof. do depto de Letras (Francês) da USP Álvaro Silveira Faleiros publicou pela editora Demônio Negro o livro À flor do mal – transpirações baudelairianas, no qual se propôs a reescrever, à luz do Brasil contemporâneo, os cem primeiros poemas de As flores do mal. Sobre a nova versão do livro, a ser lançada em 2025, ora intitulado A flor e o mal, escreveu em seu prefácio o poeta Leonardo Fróes: “Após o legado de Gregório de Mattos, que herdamos do século XVII, nunca talvez tenha surgido na literatura brasileira um conjunto de poemas satíricos tão homogêneo, sofisticado e contundente quanto o de A Flor e o Mal, de Álvaro Silveira Faleiros”.

Foto divulgação – por Stephannie Alves

Em 2020, Faleiros selecionou poemas de À flor do mal para que o prof. do IEB-USP, Paulo Iumatti – que então atuava como professor na Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris –, os musicasse. Iumatti criou um conjunto de canções ou quase canções, mantendo a possibilidade de construção camerística, inspirada em obras como O Indelével Prenúncio das Águas (2015), de João Marcondes e a Orquestra Camerística de Botiquim. Para a elaboração dos arranjos foi chamado então o próprio João Marcondes, que, entre 2020 e 2022, se dedicou ao trabalho. 

Em 2022, ocorreram as gravações do projeto por um noneto de músicos da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). No ano seguinte, foram gravadas as primeiras vozes e ajustadas as letras, uma vez que os poemas também foram reescritos ao longo dos anos. Já em 2024, o projeto ganhou as percussões, violões e cavacos do próprio João Marcondes, assim como as vozes definitivas gravadas por Paulo Iumatti (canto) e Álvaro Faleiros (recitações).

O álbum transita entre o erudito e o popular, o acústico e o eletrônico, a tonalidade e o ruído, a canção e sua subversão, contendo oito peças musicais, sendo quatro delas cantadas (“Aurora espiritual”, “Carrasco de si mesmo”, “Gigante” e “Serpente esperança”), e quatro instrumentais e permeadas por recitações (“Inteirinha”, “Bicho doido”, “Fantasma”, “Das profundezas clamo a ti”).

Ao longo do projeto, foi considerada a extensa tradição de versões musicais de As Flores do Mal, para o que foi importante o diálogo com os estudos do prof. Eduardo Horta Nassif Veras, um dos maiores especialistas em Baudelaire do Brasil, e que desde 2023 desenvolve pesquisas de pós-doutorado sob a supervisão de Álvaro Faleiros.

As versões musicadas feitas a partir do livro, em certo sentido, sintetizam uma das dimensões importantes desse projeto poético, isto é, as interpretações satíricas de algumas figuras arquetípicas do cristianismo, como o pecado, o orgulho, a luxúria e o desejo carnal – figuras essas sintetizadas na figura da Serpente, que dá título à vertente musical do projeto como um todo. A esse núcleo temático, somam-se peças mais reflexivas sobre a condição humana em um mundo em transformação, atormentado pela destruição ambiental: “Carrasco de si mesmo”; “Fantasma”; “Gigante”, “Das profundezas clamo a ti”. São assim contemplados tanto o spleen quanto o ideal, tratados com a fina ironia que caracteriza a escrita baudelairiana, aqui revisitada, numa poética em que as flores do mal são atravessadas por e atravessam os dilemas do Brasil contemporâneo.

FAIXAS:

  1. Aurora espiritual 
  2. Inteirinha 
  3. Carrasco de si mesmo 
  4. Bicho doido 
  5. Gigante 
  6. Fantasma 
  7. Serpente esperança 
  8. Das profundezas clamo a ti 

FICHA TÉCNICA 

Direção artística e musical, arranjos e orquestrações: João Marcondes

Composições e direção artística: Álvaro Faleiros e Paulo Iumatti

Voz: Paulo Iumatti

Declamação: Álvaro Faleiros

Violão, viola, percussão, sintetizadores: João Marcondes 

Violão (“Gigante”): Paulo Iumatti

Orquestra de câmera

Regência: Luís E. Corbani

Clarinete: Sérgio Burgani

Contrabaixo: Ana Valéria

Flauta 1: Rogério Wolf 

Flauta 2: Stefania Corbani

Fagote: Érick Ariga

Violino 1: Tatiana Vinogradova

Violino 2: Carolina Klieman

Viola: Sarah Pires

Violoncello: Marialbi Trosíl

Orquestra de Câmera gravada no Estúdio Arsis por Adonias Júnior

Vozes, percussões, Violão, Cavaquinho e Bandolim gravados por João Marcondes no Estúdio Cancha e no estúdio na Mata

Mixagem e masterização: Adonias Júnior

Ilustração: Fernando Vilela

Composição de capa: João Marcondes

Álvaro Silveira Faleiros é professor titular em Poética da tradução na Universidade de São Paulo (USP). Poeta e tradutor, traduziu, entre outros, Apollinaire, Mallarmé e Valéry. Sua tradução de Feitiços [Charmes] de Paul Valéry foi contemplada, em 2020, com o Prêmio Paulo Rónai de melhor tradução pela Biblioteca Nacional. Foi curador da exposição O francês em todos os sentidos, realizada em 2009 no Museu da Língua Portuguesa, no quadro do ano da França no Brasil

Paulo Teixeira Iumatti é professor livre docente do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Entre 2019 e 2023, foi professeur des universités da universidade Sorbonne Nouvelle (Paris 3), onde foi diretor do CREPAL (Centre de Recherches sur les Pays Lusophones) de 2021 a 2023. Em 2018, seu livro sobre a gênese de Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr., esteve entre os finalistas do Prêmio Jabuti, na categoria Ciências Humanas; em 2022, recebeu a Medalha do Senado da França, por sua atuação em prol das relações Brasil França. É compositor, autor de dois álbuns solo (Heróis da manhã e A girassol).

João Marcondes é compositor, escritor, arranjador, produtor, instrumentista e educador musical. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura, tem especialização em Docência em Música Brasileira. Possui quatro obras lançadas para ballet com seu grupo Orquestra Camerística de Botequim e obras para música de câmara, tendo também atuado em trilhas de documentário, cinema e televisão, assim como em programas como Ensaio, de Fernando Faro. Possui quatrocentos arranjos registrados em fonogramas e vídeo. Leciona desde 2003 na Faculdade e Conservatório Musical Souza Lima, onde também atua como assistente de direção e coordenador pedagógico e dos programas de Pós-Graduação em Educação Musical. Já ministrou cursos sobre música brasileira em vinte países, com destaque para Cuba, Colômbia, México, Itália e Argentina.

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