Rodrigo Marcon nasceu em Lages/SC em 1979. Formado em Ciências Sociais pela UNIPLAC, trabalhou durante dez anos na Polícia Civil de Santa Catarina no cargo de Investigador; há doze anos está nos quadros da Polícia Federal como Agente. Já residiu no Amazonas e Rio Grande do Sul, tendo atuado em diversos outros estados da Federação. Pós-graduado em Segurança Pública, publicou seu primeiro livro em 2002. Já teve também diversos contos avulsos publicados on-line e em antologias. Casado com Carine, pai de Maria Eduarda e Marília. É membro efetivo no Moto Clube NACIONAES LEMC.

ENTREVISTA:

Conexão Literatura: Poderia contar para os nossos leitores como foi o seu início no meio literário?

Rodrigo Marcon: Comecei a escrever ainda na infância, obviamente que apenas para mim. Acabei sendo alfabetizado no meu primeiro ano escolar, graças à qualidade da instituição católica em que fui matriculado e aos esforços de minha mãe. Depois deste único ano em um colégio particular, acabo indo para o ensino público e a partir de então a leitura passou a ser uma parte essencial da minha vida. Frequentava assiduamente as bibliotecas escolares e passei logo em revista boa parte dos clássicos infantis da época: Coleção Vaga-Lume da Ed. Ática; Monteiro Lobato, Irmãos Grimm, dentre outros. Já iniciando a adolescência passo para leituras mais sérias como Machado de Assis, Érico Veríssimo, Rubem Fonseca, Jack London, Philip Roth, Hemingway, alguns Russos, dentre outras coisas. Como isso não quero afirmar que fui algum prodígio escolar, pelo contrário, sempre fui um aluno medíocre. A verdade é que, depois que aprendi a ler, a escola me desinteressou quase que totalmente. Quando ingresso no curso de Ciências Sociais, já casado e com filhos, começo a participar de alguns concursos e seleções literárias. Em 2002 foi contemplado em um edital do Estado de Santa Catarina e publico a coletânea de contos “Cinco Movimentos” pela Editora Letras Contemporâneas. Também tive a oportunidade de fazer duas oficinas de criação literária pelo SESC, uma delas com o grande mestre Tabajara Ruas. Também tive alguns trabalhos publicados online e em antologias com outros autores, especialmente contos.

Conexão Literatura: Você é autor do livro “O antiquário”. Poderia comentar?

Rodrigo Marcon: O livro “A Antiquário” foi inspirado em uma matéria antiga, de 1994, da Revista Magnum, um periódico nacional sobre tiro, armas de fogo e temas correlatos. A matéria versava sobre uma pistola alemã Parabellum Luger P08 em calibre .45ACP, um objeto bastante raro e valioso, considerado quase que o “graal” dentre os colecionadores de armas. A partir disso, passei a imaginar como um objeto como esse poderia vir parar no Brasil, mais precisamente no interior de Santa Catarina – aproveitando o gancho da colonização europeia de parte do estado – e os personagens envolvidos nessa história. Aliado a isso, também exploro questões legais e de época como o advento da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), os primeiros anos do governo Lula, além de aspectos técnicos e históricos relacionados à 2ª Guerra Mundial e ao nazismo. O livro também traz diversas referências ao cinema, literatura e cultura pop dos anos 1970, 1980 e 1990, o que permite com que o leitor possa se identificar com muitos aspectos da trama, seja capaz de sentir certa familiaridade ou mesmo nostalgia. Por fim, acredito que a história tenha ficado bem amarrada, sendo capaz de instigar e suspender o leitor na medida certa, provocando seu imaginário com ilações e possibilidades ao longo da leitura. O feedback tem sido bastante positivo neste sentido até agora.

Conexão Literatura: Como é o seu processo de criação? Quais são as suas inspirações?

Rodrigo Marcon: Acredito que não tenha nada de onírico ou sobrenatural, trata-se mais de um processo de reflexão e não ter preguiça de tomar nota das ideias e referências que vão surgindo. Eu gosto de investir naquilo que chamo de “juntar massa crítica”, pesquisando, tomando nota, assistindo a filmes e lendo livros a respeito do que pretendo escrever. Acredito que, se de fato existe algum diferencial no modelo que adoto para produção e criação literária, seriam estes. No que diz respeito à inspiração sou quase um descrente, mas talvez ela seja responsável por, talvez, uns 10% do processo, tipo um “insight”, algo como: “hei, pode haver um boa história nisso aqui” ou “e se as coisas fossem dessa forma, com esses personagens…”. De resto acredito em uma escrita mais livre, mais solta, quase como um fluxo de consciência em certa medida, além de muita pesquisa. Depois disso, análise e revisão profunda do texto, das composições, busca por erros de continuação, fidelidade das locações, construção de personagens verossímeis, cuidado com aspectos históricos e técnicos. A revisão da escrita, ao menos para mim, é essencial e não necessariamente ela deve ocorrer ao término da escrita. Por vezes é necessário um distanciamento temporal para se permitir o amadurecimento da história, e mesmo do autor, para que só então se permitam os ajustes e acertos necessários.

Conexão Literatura: Poderia destacar um trecho do seu livro especialmente para os nossos leitores?

Rodrigo Marcon:  O protagonista e narrador anônimo da história tem alguns diálogos bastante interessantes, trata-se de um homem de muitas leituras e certa erudição, condizente com sua profissão como antiquário. Também fica evidenciado que era foi seminarista durante uma fase de sua vida, por conta disso acho significativa sua conversa com um padre ancião que assiste no asilo onde está seu pai:

— Me permite uma pergunta pessoal, Padre?

— Claro, meu filho, já falei demais. Às noites de sábado me deixam um tanto melancólico.

Eu podia entender. Intimamente devia haver em Padre Nelson a necessidade de conversar com outra pessoa, não na qualidade de religioso, mas como homem, como alguém simplesmente humano, falho e já um tanto decrépito, mas não em busca de perdão ou coisa que o valha.

— Acredita na salvação da sua alma? Faço a pergunta não por conta do que o senhor acabou de falar, mas por ser algo que vez por outra me questiono, não pela situação que passei recentemente, não é isso. Apenas não me tenho como uma pessoa boa, independentemente das coisas boas ou caridosas que eventualmente faça. É que… se o senhor titubeia, imagina gente como eu.

Padre Nelson apanhou outro cigarro e, enquanto o acendia, fitava o horizonte escuro.

— Acredito que qualquer um que tenha esta certeza já se perdeu, mas isso também pode ser uma forma de presunção e de julgamento da minha parte. O que me permito é a esperança de ter combatido o bom combate e guardado a fé, mas sem ousar a certeza na salvação de que fala São Paulo em sua segunda carta a Timóteo. Não digo isso por excesso de humildade, que também acaba se consubstanciando em vaidade, mas apenas por guardar a certeza de que a santidade não está para mim nem se eu tivesse a graça de poder começar de novo.

Padre Nelson fitou o chão tirando baforadas curtas do cigarro. Era um homem forte para consigo mesmo, feito de uma têmpera que não se encontra facilmente hoje em igrejas, quartéis ou universidades. Toquei seu ombro.

— Foi uma boa conversa, Padre. Daquelas que um homem guarda por uma vida inteira…

Conexão Literatura: Como o leitor interessado deve proceder para adquirir o seu livro e saber um pouco mais sobre você e o seu trabalho literário?

Rodrigo Marcon: O livro está disponível na forma física com envio imediato no site da editora Flyve (https://www.flyve.com.br/) e também pode ser obtido em impressão sob demanda ou e-book pela Amazon, lembrando que está disponível também para quem assina o Kindle Unlimited. Maiores informações e link para compras na landing page do livro: https://rodrigomarcon.com.br/o-antiquario/. Quem preferir pode também acompanhar minhas redes sociais onde costumo publicar alguns trabalhos, especialmente microcontos, assim como postar algumas das leituras que venho fazendo: @rodrigomarcon357 (tanto no Instagram quanto no X)

Conexão Literatura: Como analisa a questão da leitura no Brasil?

Rodrigo Marcon: Acredito que tenha havido um incremento na leitura, mas ainda trata-se de um universo limitado em nosso país. Por outro lado, posso estar equivocado por conta da convivência profissional. Sou Policial Federal e, no meu trabalho, especialmente entre aqueles da minha geração, a leitura é um hábito relativamente comum. Além disso, muita coisa vem sendo publicada ultimamente – o que demonstra que há consumo –  e mesmo o processo de publicação ficou mais acessível. No passado recente eram necessárias tiragens mínimas de mil exemplares para o lançamento de um livro, a tecnologia atual permite impressões bem menores ou mesmo sob demanda. E ainda temos os leitores digitais, celulares e tablets para leitura de e-books. No entanto, não vejo um aumento significativo na qualidade literária propriamente. Todos os anos me arrisco com um ou dois autores novos que estejam em maior evidência, até mesmo para me manter “atualizado” com o que está acontecendo, o que está sendo consumido e por quem. O que tenho visto é muita emulação de publicações estrangeiras contemporâneas, especialmente no universo da fantasia, e uma certa insistência em romances melodramáticos com uma pegada plastificada e superficial do sexo e dos relacionamentos. Também tem me assustado a frivolidade e previsibilidade dos personagens, e não se trata apenas dos clichês, mas sim da falta de humanidade e todas as virtudes e vicissitudes que vem junto com ela. Creio ter podido evitar incorrer nesses erros. De qualquer forma, alguém já disse que aprendemos mais com os livros ruins do que com os bons, ao menos no que diz respeito a escrever creio que assertiva esteja correta. 

Conexão Literatura: Existem novos projetos em pauta?

Rodrigo Marcon: Sempre. Minha pretensão é trabalhar algo no universo sci-fi, alguma coisa próxima de uma distopia, tendo algum lugar aqui no Sul do Brasil como locação. A pandemia e tudo que veio junto com ela ensejou muitos “e se” na minha imaginação, tendo sido uma espécie de experimento social sem precedente recente na história humana; acho que dá pra tirar muita coisa daí. Também temos a questão dos “tecnocratas jurídicos” (na falta de expressão melhor) que vem buscando direcionar a história e regular os demais poderes constituídos, assim como as liberdades individuais, senão com o apoio ao menos com a indiferença de boa parte da sociedade. São questões bastante atuais que tem me instigado mas que, de tão radicais ou absurdas, só vejo como alternativa a abordagem no universo na ficção científica.

Perguntas rápidas:

Um livro: “O Tempo e o Vento” Érico Veríssimo

Um autor: Ernest Hemingway, mas ultimamente tenho lido mais Cormarc McCarthy e Michel Houellebecq

Um filme: “Full Metal Jacket” de 1987, Dir. Stanley Kubrick

Um hobby: Motos e Livros

Um dia especial: o nascimento de minhas filhas.

Conexão Literatura: como tem sido a recepção do livro “O Antiquário”?

Rodrigo Marcon: O livro tem se saído muito bem, até mesmo acima do esperado visto que explora temas um tanto incomuns como a questão histórica ligada a armas de fogo e tem como locação o interior do estado de Santa Catarina; essa questão foge do lugar comum de manter as locações em grandes centros de cidades conhecidas ou ainda no interior de regiões como o nordeste. Entendo que, em que pese a riqueza da cultura gaúcha, há muito mais a ser explorado na região Sul do Brasil, usos, costumes, geografia, saberes e fazeres capazes de emoldurar e enriquecer qualquer trama bem urdida. Acredito que o livro explora de forma adequada essas características e que elas dão um sabor diferenciado à história. A crítica dos leitores até aqui, que ao fim a ao cabo é o que realmente importa, tem sido bastante positiva.

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