A série Stranger Things conseguiu roubar a cena. Logo após seu lançamento, já era um dos assuntos mais comentados nas redes sociais e obteve elogios de figurões como Guilhermo Del Toro e Stephen King. 
Na semana passada, publiquei aqui na Revista Conexão Literatura dicas de 4 livros para quem quer começar a escrever. Tendo um deles em mente – o “Para ler como um escritor” –, resolvi assistir a série como um escritor, analisando o que poderia tirar de aprendizado de Stranger Things para melhorar a minha escrita
Compartilho abaixo a minha análise (se você ainda não assistiu à série, fica o aviso de spoilers):
Personagens bem construídos
Talvez o maior destaque de Stranger Things seja a construção dos personagens. Note que quase todos possuem algum dilema interno não resolvido e, além de lidar com o desaparecimento de Will, precisam resolver seus próprios conflitos. O xerife Jim Hopper, por exemplo, precisa superar a perda da filha. Nancy, a adolescente estudiosa, gosta de Steve, e precisa lidar com o jeito diferente do garoto enquanto se pergunta se não é melhor namorar Jonathan, com uma personalidade mais parecida com a dela. Esses conflitos internos dão densidade aos personagens e facilitam a identificação por parte dos expectadores. Afinal, todos temos conflitos internos a serem resolvidos no dia a dia.   
Fechamento de capítulos
A forma como os capítulos são finalizados é um mérito narrativo a parte, deixando sempre uma situação de mistério em suspensão, o que força o expectador a assistir ao episódio seguinte para ver a desfecho. Acredito que essa seja a causa de a série ser tão “maratonada”: você fica curioso para ver a conclusão da cena e, quando dá por si, já assistiu três ou quatro episódios. Aí resolve assistir até o fim. Ao compararmos com um livro, fica o conselho de saber, em momentos-chaves, suspender o mistério para fisgar o leitor.
Objetividade
O foco do roteiro é que os personagens encontrem Will e ponto. Nada de sustos vazios, teorias que serão derrubadas perto do fim da trama, suspeitos variados e caminhos desnecessários. O roteiro é direto. A objetividade de Stranger Things mostra que não é necessário uma trama  mirabolante, cheia de reviravoltas, para agradar. Muitas vezes menos é mais, e o que acaba valendo, de fato, é a experiência que acompanhar a história proporciona ao expectador/leitor.
Construção do cenário
A história se passa na cidade interiorana de Hawkings, com poucos habitantes e, até então, raríssimos crimes. Mas a Hawkings retratada na série não é uma Hawkings qualquer. Note que, mesmo sendo um lugar pacífico, ela é pintada quase sempre em tons escuros (grande parte das cenas acontecem à noite), aumentando a sensação de estranheza e mistério. Ou seja, o cenário pode e deve ajudar a passar informações para o leitor, e não apenas as ações dos personagens.
Boa utilização da Jornada do Herói
Os dois núcleos (adulto e infantil) passam por todas as principais etapas da famosa Jornada do Herói. A título de exemplificação: Jim Hopper, o xerife, tem o chamado à aventura, com Joyce perturbando sua manhã de “café e contemplação”; travessia do primeiro limiar (quando visita a empresa misteriosa e acredita que ela tenha ligação com o desaparecimento de Will); provação (é pego pelo vilão) e o retorno com o elixir (volta do mundo invertido com Will vivo). Ele também passa por outras etapas, que não vou citar para não deixar o texto muito extenso.
Utilizar a Jornada do Herói não é condição sine qua non para que a história seja boa, mas, já que o roteiro se propõe a fazê-la, é necessário que seja de maneira bem feita, sem trocar ordens de etapas ou não considerar algumas das mais relevantes.
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