Triste descoberta se fizera presente.


Sua alma assemelhava-se com um barco chocando-se e lutando contra as ondas do
mar durante uma vigorosa tempestade. O casco não suportando os fortes impactos
cedera permitindo assim que o negrume do mar invadisse aos borbotões cada
recôndito escondido da embarcação. Em pouco tempo tudo fora inundado e perdido.
O que antes era forte e imponente, agora jazia fraco e inexpressivo. Tudo fora
tomado e destruído por tão terrível revelação.
Seu coração que primeiro perdera o compasso, agora parecia um relógio
adormecido com suas engrenagens aguardando que algo alinhasse novamente os
ponteiros para que o tempo que por ora parecia suspenso no ar, voltasse a
passar novamente. Sentia que talvez o ritmo de seu coração nunca mais seria o
mesmo. Uma dor dilacerante o atingira e o levava de roldão a uma agonia
profunda e desmedida.
Durante anos vivera em função do marido e se anulara
incontáveis vezes. Tanta dedicação e submissão apenas esperando sonhadoramente
por um breve gole de amor, sim, não era necessária uma taça cheia (quem dera!)
apenas uma mísera dose de amor, seria o suficiente para aplacar o nó da
garganta que teimava em verter-se em lágrimas sempre que ele a humilhava.
Apesar de carregar as marcas de uma vida de infortúnios, dificuldades e
inúmeros obstáculos, ela mantinha-se viva com as migalhas de “atenção” que ele
lhe dava. Quantos sonhos deixara para trás durante toda sua vida? Quantos
desejos não externados e menos ainda realizados, ficaram submersos em uma
rotina caseira e insossa, onde apenas a presença de seus filhos era o que
coloria sua existência?
Pacientemente aguardara que a vida lhe proporcionasse uma felicidade
infinita, compatível com a dedicação e o amor com os quais lhe presenteava o
marido diariamente porém, eis que surge a triste realidade: além de ter sido enganada
incontáveis vezes, ele nunca a amara verdadeiramente.
Ao ser descoberto ele negara com veemência, mas após tão incontestável
presença da verdade, confessou todas as imundícies de seus atos e em seguida
caiu-lhe aos pés, com as mãos postas quase em oração e lágrimas nos olhos
dissera-lhe tudo que ela sempre desejara ouvir: que a respeitava, admirava,
valorizava não apenas como mulher, mas como mãe e esposa e principalmente que a
amava de todo coração. Enquanto ele prosseguia em um monólogo incessante
implorando perdão, ela relembrou tudo que vivera ao lado do marido, até o
instante em que ele se tornara a personificação do que é insignificante e
desprezível.
Conseguiria sobrepujar todas as traições e dar-lhe o perdão para
continuar a amá-lo? Como beijá-lo sabendo que seus lábios os de outra tocaram e
que suas mãos outros cabelos afagaram e outros corpos acarinharam? Como se sentir especial ao ser dele, quando muitas outras também o foram? 
Aguentara a quase total ausência de carinho, de atenção e as pequenas
humilhações, mas não suportaria o peso esmagador de tantas traições. Então,
apesar de o imenso véu de dúvidas que caia sobre sua existência, esta era a única
certeza que ela possuía: não mais poderia amá-lo e por este motivo estava
livre. Sim! Não terminaria seus dias dedicando-se a um casamento em ruínas.
Após tantos anos a vida lhe pertencia novamente. Fez as malas e partiu
para o mundo e para a vida. Tornara-se finalmente Laura, não a filha, esposa,
mãe, nora, sogra, mas simplesmente Laura, dona de si mesma e de seus
sentimentos, pois, o amor que antes devotara a outrem agora finalmente
tornara-se próprio. 

* pinturas de Steve Hanks



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