Não, você provavelmente nunca leu uma obra de Gogol. Mas
certamente conhece alguma de suas histórias. Afinal, são muitas as adaptações
para cinema, televisão e quadrinhos. Eu mesmo cheguei fazer duas HQs baseadas
em suas histórias: Fobia (baseada em O Nariz) e A Inspeção (baseada na peça O
Inspetor Geral), ambas desenhadas por Bené Nascimento (a primeira foi publicada
pela Nova Sampa, a segunda pela revista Calafrio). O grande destaque de Gogol
se deve ao fato de ter sido o iniciador da moderna literatura russa, que nos
legou nomes como Tcheckov, Tolstoi e Gorki.
Nicolai Vassilievitch Gogol nasceu em uma pequena província
da Ucrânia, no ano de 1809. Até mesmo a data de seu nascimento é controversa:
19 de março no calendário russo e 31 de março no calendário ocidental. O pai
era um fazendeiro que, ao contrário de seus vizinhos, tinha rudimentos de
cultura artística. Gostava de ler e usava as horas vagas para escrever peças
satíricas. Gogol herdou dele o gosto pela pena. E herdou da mãe a extrema
religiosidade que o levaria à morte.
Desde criança, Gogol sempre foi estranho. Na escola era
chamado de “anão enigmático” porque falava pouco e tinha dificuldade
para se relacionar com colegas e professores. Como o apelido sugere, também era
pequeno. Seu grande sonho era ir para São Petesburgo. Imaginava-se com um bom
emprego, instalado em um quarto com vista para o rio Nieva. Depois da morte do
pai, conseguiu finalmente realizar o seu sonho, que acabou parecendo mais com
um pesadelo. Tudo o que conseguiu em São Petesburgo foi um emprego burocrático
medíocre, um salário insignificante e um quarto a grande distância do rio Rio
Nieva. Para sobreviver, era obrigado a pedir dinheiro à mãe.
Por esses tempos, teve sua primeira decepção literária e
revelou uma característica que o acompanharia por toda a vida: Gogol dava mais
atenção às críticas que aos elogios. Seu poema Hans Kuchelgarten foi tão mal
recebido pela crítica que o escritor recolheu todos os exemplares e os queimou.
Só voltaria a escrever mais tarde, empolgado com a efervescência literária da
época.
Na Rússia de então, os intelectuais se dividiam em dois
grupos. Um deles defendia a aproximação com a cultura ocidental e o outro
estava preocupado com a preservação da cultura russa. Gogol era um simpatizante
do segundo grupo. No interesse de resgatar as tradições de sua terra, ele
escreveu alguns contos sobre a Ucrânia para revistas e publicou uma seleção
deles. O livro se tornou extremamente popular, especialmente por seu humor, que
fazia rir os funcionários da gráfica que o imprimia.
Foi nessa época que Gogol conheceu Punchin, o maior poeta russo
do período. Punchin foi uma espécie de guru para o jovem Gogol. Gogol chegou a
dizer que tudo que escrevia o fazia pensando no que Punchin pensaria, e duas de
suas principais obras, Almas Mortas e O Inspetor Geral, surgiram a partir de
idéias do poeta.
A trama da peça O Inspetor Geral era simples: as autoridades
de uma pequena aldeia tomam conhecimento de que um inspetor do governo chegará
incógnito em breve para investigar certos abusos. Por acaso, um aventureiro
passa por ali e os poderosos do local, achando que ele é o inspetor, fazem de
tudo para suborná-lo. Essa história já foi adaptada para a TV, para o cinema,
para os quadrinhos e até na série alemã de ficção-científica Perry Rhodan.
A obra mais genial de Gogol, no entanto, foi escrita em
1842. Trata-se de uma novela com o singelo título de O Capote. É a história de
um pobre funcionário público que, a grandes custos, conseguia comprar um novo
capote e é roubado no mesmo dia em que o inaugura. Segue-se, então, uma
via-crucis pela burocracia russa. Ao invés do capote, ele consegue apenas uma
grande bronca de um alto funcionário, interessado em impressionar um amigo.
Isso, unido a uma gripe que o pega por estar sem capote, e portanto,
desprotegido do terrível frio de São Petersburgo, leva-o à morte. Seu fantasma
então, passa a puxar o capote de todas as pessoas que se aventuram a sair à
noite.
Como se vê, suas histórias eram simples, bobas até, como
contos infantis. Nada de pretensões filosóficas ou pedantismo. Nosso escritor
queria apenas contar histórias de seu país natal, o jeito de ser de sua gente,
e talvez nisso resida o seu maior encanto. Suas histórias misturavam humor e
tragédia naquilo que os críticos chamaram de risos entre lágrimas. Personagens
como o funcionário publico de O Capote são ridicularizados, mas ao mesmo tempo,
redimidos por sua humanidade.
Gogol se tornou imortal porque suas obras eram repletas de
vida. Era a vida dos grandes heróis nacionais, como Taras Bulba, ou dos
insignificantes funcionários públicos. Mas, apesar do sucesso, o escritor vivia
entre anjos e demônios. Sempre ouvia mais as críticas do que os elogios. Quando
a peça O Inspetor Geral estreou, os conservadores pediram a proibição da mesma,
acusando o autor de ter caricaturado tanto o país quanto seus dirigentes. Gogol
mergulhou em profunda depressão e viajou para a Europa.
Com o tempo, essas crises de depressão foram se tornando
mais e mais freqüentes. No dia 11 de fevereiro de 1852, influenciado por um
padre fanático, Gogol queimou todos os manuscritos da segunda parte de Almas
Mortas e deitou para morrer. Não se alimentava, nem aceitava remédios. A 21 de
fevereiro daquele ano, a Rússia perdeu um dos seus escritores mais queridos, o
homem que abriu as portas para torná-la uma das capitais mundiais da
literatura.

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