Do escritor Felipe Cruz, publicado pela Monomito Editorial, o livro Você Nunca Fez Nada Errado tem 192 páginas e conta parte da história do próprio autor. 

O relato de Felipe parte do momento em que ele fez a descoberta do vírus HIV. O fato de apresentar no livro um assunto que, por vezes, ainda é visto como tabu na sociedade e até  com certo preconceito, por si só já seria um motivo para instigar a leitura. No entanto, para além disso, a escrita do autor e os sentimentos que expõe ao longo da narrativa,  nos sugam para dentro da obra. Uma história comovente, emocionante e que, apesar dos percalços, acaba se tornando uma ode à vida.

“Descobrir-se soropositivo ainda simboliza uma reconstrução da própria identidade.”

Nos agradecimentos que abrem o livro sentimos a força e a delicadeza de um bom escritor e, mais do que isso, a humanidade que há em seu texto e a capacidade de conexão com o leitor, o que você, certamente, sentirá ao longo de toda a obra. Por meio de suas constatações, digressões e anseios, nós vamos sabendo um pouco mais sobre Felipe Cruz e sobre tudo que aconteceu com ele desde a constatação da existência do vírus.

Felipe se mostra franco e inteiro. Expõe como foi a descoberta, como isso impactou a sua vida de modo amplo – da visão sobre as relações e a maneira como lidaria com os amigos e familiares -, passando pela sua reformulação sobre a forma de conviver com o vírus, que pode ser controlado. São muitos os sentimentos e sensações que o tomaram e que foram expostos por meio da escrita.

“O meu constrangimento era admitir que eu falava de dentro de uma doença, de dentro de um medo palpável. Que, morrendo, eu escrevia. Escrever sobre si é escrever para si?”

As palavras do autor vão se apresentando por meio de fatos e sentimentos, provocando-nos as mesmas sensações e possibilitando-nos a conhecê-lo e a sentirmo-nos próximos do autor. A escrita de Felipe Cruz é fluída, lirica, filosófica, empática e verdadeira (seu relato ressoa para além das páginas).

Escritor e professor, não faltam menções a literatura no texto e não é por acaso. Em certa parte da obra o autor nos confessa que os livros foram as únicas coisas que ele não abandonou nesse processo de descoberta e de reconecção consigo. Ao longo do turbilhão de acontecimentos os livros e a arte estiveram presentes na vida do autor.

O processo de autoconhecimento pelo qual passou envolve o medo, as incertezas, a constatação da necessidade de mudança, a negação e a alternância da maneira de encarar a própria vida. Tudo passa a ser visto com uma outra perspectiva, ainda que provocada pela situação “traumática” (grifo meu) que leva ao pavor que faz desistir, abandonar o tratamento, se chafurdar no trabalho como fuga, se deparar com a crise de identidade.

Tudo o que viveu aparece em outro de seu livro que foi lançado à época: “o livro é claramente sobre o desequilíbrio que acometia minha percepção da realidade” – declara o autor.

Felipe também nos relata lembranças que vem do afeto, como as de sua avó e a identificação com tio Marciel. Fala sobre a família, os amigos, os desconhecidos e as emoções que passou ao falar sobre o HIV para essas pessoas, ou mesmo quando não falava, mas cujo silêncio presente parecia emitir o recado.

“Senti que por mais difícil e traumático que fosse, era possível encontrar respostas sobre tanto silêncio, tanto medo, sem precisar recorrer ao dia em que soube que sou soropositivo – esse método que sempre apagava todos os outros dias da minha vida.”

Você Nunca Fez Nada Errado é um livro que faz o leitor mergulhar na história do autor, ou melhor dizendo, uma parte de sua história. Ainda que seja a sua história, imagino que seja a de muitas pessoas que também descobrem o HIV e que seja de fato uma reconstrução de uma identidade. Sua forma de lidar com os fatos e até mesmo de lidar com o silêncio, mas que não é silêncio no turbilhão de sentimentos que acontece internamente, revela-se ao leitor e nos faz, sobretudo, perceber o humano.

Não é apenas um livro sobre a descoberta de uma doença. É um livro que fala sobre o que perturba, sobre a incerteza da continuidade do amor daqueles que nos cercam, sobre a compreensão de si mesmo, sobre a constatação de que nunca se fez nada errado e que a vida deve seguir adiante, é sobre (como dito no início da resenha) o amor à vida.

O texto é coisa linda de ser ler. Lembro-me da primeira vez que tive contato com a escrita de Felipe Cruz, que foi quando ele aceitou responder a uma entrevista para o blog. Assim que chegou o texto e comecei a ler, fiquei encantado pela maneira fácil, poética e tocante com que ele escreve. Tem força em sua escrita, tem algo de amigável e próximo. Sabe aquela escrita que abraça? Possivelmente, muito disso venha de sua franqueza de demonstrar suas tormentas e seus sabores. Mesmo nas passagens de dor e de medo nos conectamos, porque esses elementos nos são próximos, de uma maneira ou de outra.

É o primeiro livro de prosa escrito pelo autor, que já tinha publicado livros de poesia. Você Nunca Fez Nada Errado transita por uma mescla de gêneros. É uma obra emocionante, forte, conectiva – posto que faz com que nós, mesmo não o conhecendo, passemos a conhece-lo. Se isso não é desnudar-se por meio da escrita, não sei o que é.

Leitura mais que recomendada!

Sobre o autor:


Felipe Cruz, nascido em Belém e criado em Macapá, é professor e escritor. Autor dos livros de poesia Acúmulo (Fundação Cultural do Pará, 2016) e Os Cegos Dormem (Edição 1/4, 2018), também desenvolve trabalhos nas áreas de fotografia e do audiovisual. Você nunca fez nada errado é seu primeiro livro de prosa.

Ficha Técnica:

Título: Você nunca fez nada errado
Escritor: Felipe Cruz
Editora: Monomito Editorial
Edição: 1ª
Ano: 2018
ISBN: 978-85-907522-2-6
Número de Páginas: 192
Assunto: Biografia
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