O herói romântico impávido e abnegado, lutando contra
o destino e a natureza selvagem em uma empreitada impossível. Esse é o tema de
Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo.

O livro conta a história, fictícia, de um dos
primeiros navios a vapor da Inglaterra, um prodígio de tecnologia que espanta a
muitos, apavora a outros, e traz a riqueza para seu dono. Esse navio é vítima
de um naufrágio, mas o motor, sua parte mais valiosa, resiste, intacto, junto
com que sobrou do navio, no alto de duas torres na costa pedregosa.

O dono do navio oferece a mão da sobrinha para
quem fosse capaz de resgatar tal engenho.

É quando um rapaz, pária na vila, e apaixonado
pela sobrinha do armador, se dedica ao desafio. Sozinho e quase sem recursos
além da própria habilidade e obstinação, ele se encaminha ao local, mas para
retirar o motor de dentro do navio, terá de enfrentar todo tipo de obstáculo,
incluindo tempestades pavorosas, fome e sede. Como se vê, o título,
“Trabalhadores do mar”, é mais do que equivocado, uma vez que é um livro de um
herói só – e praticamente um só personagem.

A narrativa de Victor Hugo é arrastada (o
gancho que puxa a história, o naufrágio do navio, acontece praticamente na metade
do livro), mas o livro até aí se sustenta pelo texto envolvente de Hugo pela
tradução de Machado de Assis. Um gênio traduzindo outro gênio.

A narrativa, especialmente da cena da
tempestade, é grandiosa, dramática. O senso comum hoje associa romantismo a
histórias água com açúcar, de final feliz. Mas o romantismo original é trágico,
intenso. Quem já viu o quadro A barca da Medusa, de Gericault, certamente se
lembrará do quadro ao ler esse capítulo. 

Algo que espanta ao leitor moderno é perceber
que Victor Hugo foi um dos primeiros, senão o primeiro, a retratar um psicopata
em sua obra. E com uma precisão impressionante. Alguns trechos: “Odiava a
virtude com um ódio de mal-casado. Teve sempre uma premeditação malvada; desde
que se fizera homem trazia aquela armadura rígida, a aparência. Era monstro
internamente; vivia em uma pele de homem de bem com coração de bandido (…)
Passar-se por homem honrado é duro! Manter constante equilíbrio, pensar mal e
falar bem, que labutação! (…) Arrancar a máscara, que livramento!”.

Espanta mais ainda que o livro tenha sido
escrito em 1866, quando ainda nem existia a psicologia e quase 100 anos antes
das primeiras pesquisas sobre psicopatas. Nesse sentido, o livro lembra a fala
de Edgar Morin sobre como a literatura conseguiu adentrar na alma humana muito
mais que a ciência.

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