Quando era adolescente e começou a ler as
revistas pulp fiction, Isaac Asimov se incomodava com o fato dos robôs serem
mostrados na história quase invariavelmente de forma negativa – em geral
tentando destruir a humanidade. Para tentar mudar esse quadro, ele mesmo
começou a escrever suas histórias e enviar para as revistas. O resultado disso
foi uma sequência célebre de contos que mudaram completamente o tema e
introduziram as três leis da robótica, segundo as quais: 1) um robô não pode
ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano seja ferido; 2)
um robô deve obedecer as ordens de um ser humano, a não ser que tais ordens
entrem em conflito com a primeira lei; 3) um robô deve proteger a sua própria
existência, a não ser que isso entre em
conflito com a primeira ou a segunda lei.
Esses contos foram reunidos na antologia Eu,
robô, recentemente republicada no Brasil na belíssima edição da Aleph.
O primeiro conto, Robbie, escrito quando o
autor tinha 19 anos, é mais uma demonstração de como Isaac Asimov queria
trabalhar os robôs: uma menina ganha um robô como babá e se apega tanto a ele
que a mãe, preocupada, faz com que o marido devolva a máquina. Mas a menina não
irá descansar enquanto não tiver seu amigo de volta. É terno e bem escrito, com
um final interessante. Mas não chega nem perto do que o escritor viria fazer
com o tema, em especial com relação às três leis.
O segundo conto, “Andando em círculos” já é Asimov
em plena forma. Nele, dois pesquisadores, os imortais Powell e Donovan, estão
tentando reativar uma velha base em Mercúrio e para isso, mandam um robô,
Speed, pegar um mineral essencial para a reativação dos sistemas e, portanto,
para a sobrevivência deles no planeta banhado por fortes raios solares. Mas
speed, ao invés de pegar o mineral, passa a andar em círculos aparentemente sem
razão nenhuma. Os dois devem descobrir o que provocou isso e, principalmente,
usar as três leis da robótica para fazer com que ele saia desse círculo vicioso
e eles possam salvar a base. É uma típica história asimoviana em que a solução
para o problema está totalmente na lógica.
Powell e Donovan voltam “Razão”, o terceiro
conto da coletânea. Nesse, eles estão em uma estação espacial responsável por
captar energia solar e enviar para a Terra. Mas um novo tipo de robô, racional,
é implantado para organizar o trabalho dos outros. E o robô começa a pensar e a
duvidar de tenha sido criado por humanos. Para ele, o gerador é o mestre, uma
vez que tudo e todos na estação parecem girar ao redor dele e, aparentemente,
servi-lo. Asimov brinca com o assunto e usa o conto para criticar o ponto de
vista de Descartes segundo o qual a razão é mais importante que os sentidos
quando se trata de estabelecer o que é realidade. O robô chega até mesmo a citar Descartes direta
(“Eu existo porque penso”) ou indiretamente (como quando o robô diz que não vai
perder seu tempo analisando o que ele considera ilusão de ótica, pois o que é
mostrado vai contra a razão). No final, o robô chega até mesmo a estabelecer
uma religião (“Não há nenhum mestre senão o mestre e QT-1 é seu profeta!”).
Embora as três leis não sejam usadas para resolver o problema, é um divertido e
típico conto asimoviano.
Em “É preciso pegar o coelho” Powell e Donovan
estão de volta, agora para decifrar um problema com um robô minerador que
comanda seis outros robôs em um processo de mineração. Ocorre que, sempre que
um dos dois não está olhando, o robô líder parece enlouquecer e coloca todos os
outros para marcharem.
Em “Mentiroso”,
um robô tem capacidade de ler os pensamentos dos humanos. É a primeira história
com a psicóloga de robôs Susan Calvin, que será figura fundamental nas
histórias seguintes.
Em “Um robozinho sumido”, robôs usados pelo
governo foram criados sem a primeira lei completa (um robô não pode ferir um
ser humano ou, por omissão, deixar que ele seja ferido) porque os robôs sempre
corriam para salvar os humanos expostos a radiação gama e isso destruía seus
cérebros, mesmo que essa radiação com pouca exposição não provocasse danos ao
ser humano. Um dos cientista diz a um desses robôs que ele suma e ele de fato
some… entrando num local com 62 outros robôs idênticos. Resta agora à
psicóloga descobrir entre eles quem é o o robô sumido.
Em “Evasão” uma empresa concorrente propõe um
desafio: repassar os dados de uma nave espacial que já destruíram o computador
deles. O que fazer: aceitar e correr o risco de perder também o computador da
US Robôs?
Em “Evidência”, um candidato concorrente acusa
o candidato a prefeito de ser um robô, numa época em que robôs são proibidos na
terra. Como provar que ele é humano? Como provar que é um robô? Esse conto tem
uma ótima fala de Suzan Calvin segundo a qual, se um humano seguisse as três
leis da robótica, seria alguém muito bondoso – e, portanto, um ótimo político.
Finalmente, em “O conflito evitável”, os
computadores que governam a economia mundial parecem estar com algum tipo de
pane e agindo de forma estranha, levando, por exemplo, fábricas à falência. É o
conto mais fraco do volume, mas ainda assim vale a leitura.
Para costurar todas essas histórias, Asimov
inventa um repórter que está entrevistando a psicóloga Susan Calvin. Os contos
seriam os relatos dela sobre acontecimentos relacionados à história dos robôs.
No final é interessante perceber como o mundo
imaginado por Asimov é muito diferente do mundo real que vivemos. Nas
histórias, por exemplo, os robôs pululam, mas existem pouquíssimos computadores
– e nenhum pessoal.