Fale-nos sobre você.
 

Sou doutora em Literatura e Crítica Literária (PUC-SP), pesquisadora do
Grupo de Pesquisa O Narrador e as Fronteiras do Relato (PUC-SP), escritora,
professora de Literatura e Escrita Criativa. Gosto de cultivar um olhar
distraído e do avesso pelas coisas do mundo, pessoas, lugares. Amo
fragmentar-me em muitos eus em busca da palavra perdida, do que ainda não foi
dito, nua, em estado de gravidez poética.
 

ENTREVISTA:  

Fale-nos sobre o livro. O que motivou a escrevê-lo? 

De dentro dos olhos dela é um livro feito de restos, ruínas,
pedaços que Ela, a protagonista da trama, vai recolhendo e recompondo ao som de
uma insistente goteira. Por meio do recolhimento desses restos, Ela vai se
(re)descobrindo como mulher, enquanto corpo, enquanto poesia. Estrangeira na
própria casa, do porão abandonado às gavetas que guardam segredos, Ela se
(re)encontra, reencontrando também, pouco a pouco a sua voz interior, no limiar
do que foi e do que é agora. Todos esses restos que ela recolhe – diálogos,
páginas de diários, narrações em terceira pessoa –, são costurados por poemas
que suturam a busca da protagonista por construir uma identidade poética. Ela
escreve. É escritora de seu tempo, das urgências do (seu) mundo. Ela é passagem
entre o vivido e o não vivido do presente na fratura do tempo. Ela, em parto
humanizado, dá à luz a si mesma em estado de poesia.  

Este livro nasce dessa fragmentação que o ser humano representa na
contemporaneidade. É motivado por esta nova ordem humana. É um livro que dá
lugar às faltas, ao inacabamento do presente, à não linearidade da existência. Os
textos que compõem este livro foram sendo escritos ao longo de cinco anos e
cada um é um caco de vivências, experiências, descobertas, saudade, tristezas e
conquistas que foram acontecendo no kairós do tempo dessa personagem que me
acompanhou todo esse tempo e me ajudou a também, como pessoa, fazer algumas
travessias importantes dentro de mim.
 

Fale-nos sobre seus outros livros. 

Participei de algumas antologias poéticas como Prêmio SESC de Poesias
Carlos Drummond de Andrade
(2015), O ventre do verbo (2013), Poetrix
3
(2009), Agreste Utopia (2005), entre outras. Em 2016, lancei pela
FAPESP-Educ o livro Caminhos Cruzados e Um Lugar ao Sol: o Projeto Literário
de Erico Verissimo
, publicação da minha dissertação de mestrado que tem
como foco de análise os dois romances de Verissimo da década de 1930 citados no
título do livro. Foi uma pesquisa realizada propondo novas perspectivas
críticas sobre esses dois romances de Verissimo. A investigação central é na
criação de personagens-escritores que discutem sobre o papel do escritor e da
voz autoral dentro da própria escrita e no mundo, estabelecendo os alicerces de
sua obra e que foi ampliado em minha pesquisa de doutorado evidenciando o
caráter contemporâneo do projeto literário de Erico Verissimo.
 

Como analisa a questão da leitura no país? 

É uma questão delicada, por vezes deixada de lado pelos governantes, dada
a importância que a leitura/literatura e as artes, de modo geral, têm em nosso
país. Quais espaços ocupa a leitura em um país que passa por um desmonte das
universidades públicas, que direciona verba da educação para outros fins, que
reduz número de bolsas de estudos de ensino superior, que não oferece condições
dignas de trabalho a professores em sua maioria? A questão da leitura é uma
questão política, assim como todas as ações humanas que envolvem o sujeito
social. Leitura, hoje em dia, é resistência. É ação contra a maré dos que
querem calar artistas, boicotar escritores, dificultarem o acesso à educação de
qualidade. Felizmente há as bibliotecas físicas e volantes que criam projetos
de incentivo à leitura, professores espalhados pelo país que lideram ações para
que os estudantes tenham acesso aos livros, grupos de estudos virtuais e
presenciais que incentivam o gosto e a prática da leitura, as Bienais
acontecendo agora de forma presencial novamente. É perigoso repetir o jargão de
que as pessoas não leem, os jovens não se interessam pela leitura. Não é
verdade. Isso é o que querem que repitamos como mantra para desmotivar ainda
mais a leitura, é intensificar o projeto de desmonte mesmo da cultura. Acredito,
porém, no debate sobre essa questão, na criação de oportunidades de leitura em
nossas casas, bairro, cidade. Acredito que o coletivo tem ideias incríveis para
fortalecer o incentivo e o acesso à leitura em nosso país, já que há pouca ação
do governo para esse fim. Façamos nós, de mãos dadas, as transformações pela
resistência que é a leitura. Só assim sobreviveremos.
 

O que tem lido ultimamente? 

De tudo! Poesia, conto, crônica, romance, gêneros híbridos. Sempre
gostei de ler tudo o que aparece por perto, sem muitas amarras. É daí que
nascem os grandes encontros. Terminei de ler recentemente Amor incômodo,
da italiana Elena Ferrante, saindo de um romance da estadunidense Sylvia Plath,
o Redoma de vidro, e da releitura dos contos de No seu pescoço,
da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Mergulhei, agora, em um conto pouco lido
do brasileiríssimo João Guimarães Rosa, Cara de bronze, que será objeto
de estudo do grupo de pesquisa do qual faço parte, mas também estou às voltas
com os poemas de Márcia Kambeba, um sopro de vida da literatura indígena, para
um curso que estou ministrando na escola onde trabalho, além de leituras de
crítica e teoria literária… Enfim, não há fronteiras na literatura. As
leituras vão se complementando, se escrevendo juntas, conversando umas com as
outras e nos alimentando.
 

Uma pergunta que não fizemos e que gostaria de
responder.
 

Quero poder responder a
uma pergunta que a Clarice Lispector fez a Erico Verissimo em uma entrevista
que está disponível no livro Clarice Lispector entrevistas (Rocco,
2007):

“Que é que você mais quer
no mundo?” 

Que o ser humano possa
reencontrar o seu lado humano, a sua Natureza. Que possamos entender, depois de
uma pandemia que dizimou parte da população mundial, e das muitas pandemias
emocionais silenciosas que vivemos, que somos uma fagulha de luz em um imenso
universo de possibilidades de existir, mas todas devem incluir o outro. Somos
nós. Sempre plural, sempre nesse lugar inabitado que é o instante da vida. Por
isso, não há salvação para humanidade se não recuperarmos a nossa humanidade, o
nosso religare mais verdadeiro que é conosco mesmos em união com os
demais. Quando isso acontecer, porque tenho esperança no ser humano,
alcançaremos a tão sonhada liberdade porque seremos um único corpo caminhando
para o mesmo rumo nessa longa estrada chamada existência.
 

Link para o livro:

https://www.editoraversiprosa.com.br/produtos/de-dentro-dos-olhos-dela/ 

 

CIDA SIMKA

É licenciada em Letras pelas
Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos
livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita:
atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca
(Editora Verlidelas, 2020), Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021) e O
quarto número 2 (Editora Uirapuru, 2021). Organizadora dos livros Uma noite no
castelo (Editora Selo Jovem, 2019), Contos para um mundo melhor (Editora
Xeque-Matte, 2019), Aquela casa (Editora Verlidelas, 2020), Um fantasma ronda o
campus (Editora Verlidelas, 2020), O medo que nos envolve (Editora Verlidelas,
2021) e Queimem as bruxas: contos sobre intolerância (Editora Verlidelas,
2021). Colunista da revista Conexão Literatura.

SÉRGIO SIMKA

É professor universitário desde
1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de
gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil.
Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru.
Colunista da revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se
intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora
Mercado de Letras, 2020) e seu mais novo livro juvenil se denomina O quarto
número 2 (Editora Uirapuru, 2021). 

Compartilhe!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *