Era
hora de movimento, na estação. Até o fim do dia terrestre, mil astronaves
passariam pelo Portal, ilesas. Isso, se a hora de entrada, em que atravessassem
o pórtico, fosse a mesma que a hora em que ressurgissem na superfície espelhada
de destino. Computadores faziam o trabalho pesado de cálculo científico. Eu
tinha de autorizar o fluxo de naves estelares, o que não era pouco. Mas,
contanto que os horários coincidissem, haveria pouco ou nenhum problema.
As
guerras haviam sido consideradas uma afronta ao intelecto do ser humano
superior. E todas as cento e vinte raças que viviam no espaço com o volume de
um tetraedro cósmico de mil anos luz de comprimento de aresta haviam
concordado, quando Sir William Morris, nosso novo monarca terrestre, terminara
de argumentar contra o genocídio que imperava em toda Via Láctea, isso vinte
anos atrás.
Fora
o começo de uma Paz Verdadeira, que nunca existira em planeta algum. Mas
William, condecorado pelos lordes do Século XXVI como Sir, parecia um tanto
desconfiado de que tudo aquilo era uma baixa imitação de um antiquíssimo ritual
da passagem da coroa real britânica de um rei falecido para outro membro da
realeza, vivo.
—
Henry, venha cá, venha ver esse novo licor que os franceses me enviaram, na
ocasião da minha condecoração e coroação, como rei William II. Vai adorar,
tenho a certeza.
Henry
teleportou cada uma de suas moléculas da superfície da capital mundial da Terra
para a estação orbital terrestre em segurança.
—
Pois não, Excelência, com sua permissão, posso avaliar as vinte bilhões de
bebidas fermentadas ou destiladas existentes na Galáxia com eficiência.
—
Dessa vez, Henry, terá de lidar com o subjetivo e a mente destruidora dos selenitas.
Há quanto tempo não há um incidente em Sepcon-14?
—
Qual das estações de transporte Sepcon-14 se refere, Majestade?
—
Esta aqui, onde estamos.
—
Houve uma única catástrofe nesta estação, Sir Morris. Deu-se no Interregnum,
período há quatrocentos anos, em que, durante dez anos, não houve guerras. Foi
no final desse período, quando o incidente se deu e foi arquitetado para que as
colônias independentes de Marte fossem anexadas ao Império Terrestre.
—
Exato, Henry. Você gostaria de ver os marcianos escravos dos terrestres até
quando? Até que data os colonos de Marte deveriam ser obrigados a trabalhar nas
minas radioativas da Terra, Marte, nas luas de Júpiter, Saturno e no cinturão
de asteroides?
—
Percebi aonde quer chegar, Vossa Excelência. Deseja libertar os colonos
marcianos e torná-los seres humanos independentes… Mas, neste ponto, existirá
motivo para guerra, Sir.
—
É, eu li aquele calhamaço maçante e ridículo, As Leis da Colonização, pelo Rei Charles V. Ainda está valendo,
caso contrário, um motim em Titâ teria sido engendrado há duzentos anos atrás. Mas
você se engana, robô, quando fala em um novo início de guerras interestelares. Mostre
isso no mapa — Sir Morris inseriu um cartão óptico em uma ranhura no pescoço do
robô e, na parede próxima, um painel branco liso desceu. Do teto, luz laser foi disparada pela mente ágil de
Henry, que manobrava as cores e desenhos no painel com a habilidade de um
maestro de música.
—
Sir, é o nosso Sistema. A Terra e a Lua, distantes trezentos e oitenta mil quilômetros
entre si.
—
Aquele tirano da Lua, Vanegard IV, sempre tramando! Pretende iniciar um novo
ciclo de combates com a Terra, quando o trânsito entre os planetas habitados de
nossa Galáxias atingir um pico máximo.
A
imagem no painel mudou. Mostrou a superfície da Lua, iluminada. Tudo parecia em
paz. O palácio selenita, naves da população do satélite sem indícios de que iriam
decolar, era tudo, além de crateras sem fim. Mas no lado escuro, mostrado a
seguir, via-se milhares de mísseis guiados por ondas eletromagnéticas, que
atingiriam a Terra com a precisão de um neurocirurgião. Estavam, um a um,
acoplados a plataformas de lançamento da altura de um prédio de sessenta
andares.
—
Diga-me o que vê.
—
Será um massacre. O arsenal nuclear e orbital da Terra foi desmantelado, há cem
anos, pelo rei Charles IX, após uma série de atentados bem-sucedidos contra os
reis Charles VIII, VII, VI, V e IV.
—
É aí que você entra. E eu, também. Sabia que construí uma estação de teletransporte
do outro lado do Sol? Não? Você transportará as tripulações das naves de
ocupação da Lua para a Terra e teletransportará os mísseis para junto da superfície
espelhada de nossa estação. Os artefatos serão dirigidos para o Sol. Viu o
tamanho deles? São mil mini ogivas para cada míssil. Na Terra, será o
holocausto real, não o da ficção. No Sol, combustível para nossa querida
estrela. O que acha?
—
Seria preferível transportarmos os mísseis agora, interrompendo o tráfego das
naves civis, no espelho.
—
Vamos beber a isso. Boas ideias nós temos, não?
Eles
beberam, até que Sir Morris começou a trançar as pernas.
—
Essa… é minha ordem, Henry. Está… nesse nanochip proteico vivo e atuará no
sentido de ativar seus sentidos da moral — o rei inseriu um cartão do tamanho
de sua unha do polegar no pescoço da máquina, que se dirigiu para o teleporte.
Começou a seguir a controlar da Terra a estação de transporte na órbita
terrestre, evitando que qualquer nave viesse até o quadrante que englobava
Terra, Lua, Vênus, Mercúrio e o Sol, incluindo a segunda estação de transporte.
Deve ser uma operação secreta, é
claro, refletiu Henry, teclando o painel do computador nano
quântico de décima-quinta geração. Era questão de quando Vanegard IV lançaria
as naves de ocupação e os mísseis. Passaram-se as horas. Sir Morris esperava,
sob a abóbada translúcida de seu palácio de cristal orbitando a Terra, que
mostrava as estrelas, a Lua e deveria acusar a invasão, quando se desse.
—
Não estou captando nada, no telescópio montado em minha sala de trabalho. O que
vê, Henry? — a comunicação entre a Terra e sua órbita estava distorcida, mas
não impossibilitada.
—
Sua Excelência, captei um motor iônico sendo acionado. Vem do lado do palácio
de Vanegard IV.
Demorou
cinco minutos, mas foi o suficiente para que Sir Morris visse, vindo do lado
escuro da Lua, objetos que cruzariam o espaço entre os planetas em cinco horas.
a nave imperial viria a seguir, do lado iluminado do satélite natural.
—
A bola está com você, Henry! Despache tudo o que puder para a área oposta ao
Sol. Darei as coordenadas para você mandar tudo para o inferno. E Vanegard IV e
sua tripulação têm de ser conduzidos à prisão mundial. Têm muito que se
explicar.
aquele ataque? Que, por mais benevolente que fosse uma raça e por mais
inocentes que fossem seus líderes, sempre haveria uma incógnita, um fator inusitado.
E, para que a paz verdadeira se desse na Galáxia, armas tinham de ser
construídas, na hipótese de que ameaças vindas do vácuo profundo, ou mesmo do
próprio Sistema Solar, surgissem um dia desses e desembarcassem seus soldados.
Ou aniquilassem um planeta, para a seguir, tomá-lo, sobre seus escombros
fumegantes.